sexta-feira, junho 08, 2007

A sexualidade e a pessoa com deficiência

Desde os primórdios da civilização, tanto a sexualidade como a erotização e as suas disfunções foram bastante exploradas; prova disto são os relatos históricos gregos, romanos, de Sodoma, de Pompéia etc. Michel Foucault lembra que na Grécia antiga, por exemplo, a sexualidade se inscrevia como uma questão de cidadania. Havia um controle sobre as condutas sexuais do amor grego, não porque contrariava a natureza biológica do homem, mas porque podia contrariar o homem, enquanto cidadão. Na sexualidade grega, pois, o importante é como o sujeito vai dirigir sua atividade sexual. Embora seja necessário respeitar as leis, os costumes, os deuses, os pais, a questão não passa pelo lícito e o ilícito, o permitido e o proibido, o normal e o anormal, mas pela prudência, pela reflexão, pela maneira com que controla seus atos sexuais. Tanto era dessa forma, que a pederastia era aceita como parte da educação para a constituição do cidadão. O pedagogo iniciava a criança sexualmente e o que tornava a relação pederasta válida e aceitável naquela sociedade é que o homem adulto já terminou sua "formação", enquanto o rapaz ainda não atingiu seu status de cidadão, precisa de ajuda, de conselhos e apoio. Ou seja, a supremacia do mais velho, a experiência de vida sobre o mais jovem, justifica a pedofilia. Enfim, na ética grega, mais importante do que o indivíduo se relacionar sexualmente com um ou outro sexo, era o domínio sobre si, a relação consigo mesmo, uma ética do indivíduo e não do sujeito. Outro exemplo que nos ajuda a pensar como a sexualidade foi percebida ao longo do tempo de forma distinta da nossa é que, com o advento da Idade Média, passou-se a perceber um discurso unitário sobre o sexo, pautado nos "pecados da carne", da volúpia, do sacrilégio. Pecados que precisavam ser confessados para serem perdoados. Através do resgate de documentos da época, sabe-se que na maioria das comunidades francesas do século XV, por exemplo, a prostituição era não apenas tolerada, mas existiam até mesmo locais próprios para a prática, a prostibula publica, que podiam pertencer a própria comunidade, ou eram dependentes da autoridade senhorial. Apesar da existência desses chamados "bordéis públicos", existiam ainda os "bordéis particulares", distribuídos desigualmente pela cidade e mantidos por "alcoviteiras", estalajadeiras e proxenetas que tinham à sua disposição algumas "moças levianas". Mesmo com toda essa pretensa liberação, pouco ou quase nada se falava sobre a sexualidade; existem inúmeros sinais acerca dessa sensualidade medieval, mas esta não era pensada, não era discutida - era apenas "vivida". E, quando a sexualidade era debatida, se fazia de forma a enxotá-la do meio social, na forma do deslocamento dos bordéis para locais cada vez menos habitados, para se preservar a "moral da família e da igreja". O discurso cristão foi aos poucos sendo rompido e/ou diversificado pelo discurso científico, que não deixou, no entanto, de aproveitar do referido discurso o que lhe interessava. Ou seja, o discurso unitário da Idade Média em torno da sexualidade foi aos poucos se fragmentando nas diversas ciências surgidas, cada qual discutindo de acordo com o seu "olhar" teórico, sua lógica própria de sujeição, procurando dar respostas para questões que até então não passavam de mais um fato do cotidiano. Até o início do século XVII, pois, a sexualidade ainda era franca e as práticas não procuravam o segredo; para Michel Foucault, "tinha-se com o ilícito uma tolerante familiaridade". Eis que surge o regime vitoriano e todas as suas conseqüências; época em que a sexualidade é encerrada, é velada no interior da família conjugal, tendo como única função, a de reproduzir. Apesar da pretensa tolerância que vigorou até meados do século XVII, o tema sexualidade sempre foi rodeado por uma névoa de tabus e preconceitos que impedia, muitas vezes, de ser debatido nas cátedras e, quando isso acontecia, a religião permeava todo o debate, guiando o discurso e dificultando análises por ventura mais acuradas. Esse embate entre os intelectuais e o clero durou toda a Idade Média e continuou pela Idade Moderna; somente a partir do século XIX acontece uma reviravolta de costumes - principalmente na Europa, em que começa a surgir uma imensa preocupação com o sexo. Na Europa do século XIX, a sexualidade passa a ser tratada como um assunto político, a ser regulado pelas instituições governamentais que constroem um discurso a ser seguido por toda a sociedade - tendo como finalidade proibir e/ou controlar certos atos. Foucault, vendo a sexualidade como uma construção histórica e cultural lembra que esta era a época em que a família e as primeiras instituições escolares colocaram-se em estado de alerta, a fim de vigiar a descoberta do indivíduo com o seu próprio corpo, além, claro deste indivíduo com outros indivíduos. Somente a partir do início do século XIX é que a sexualidade foi estudada de forma científica com os trabalhos dos sexologistas Havellock Ellis (1859-1939) e Alfred Kinsey (1894-1956) e dos fisiologistas William Masters (1916) e Virginia Johnson (1924), sem falar da revolução empreendida por Freud. E, em relação à sexualidade, o que mais se ouve falar em nossos dias é que há uma imensa repressão sobre o sexo. A literatura é farta. Os marxistas nos informam que no advento da sociedade capitalista houve e há uma repressão sobre o sexo, sobre o corpo do homem, para sujeitá-lo em prol de uma classe sobre a outra. A classe hegemônica, calcada na apropriação dos meios de produção, domina a classe desfavorecida, o proletariado, que tem como "bem capital" sua força de trabalho para negociar, estando esta última sempre em desvantagem em relação à primeira, detentora do poder econômico. O sexo aparece como mais um instrumento de repressão, daquela sobre a última. Sigmund Freud explicita a idéia da repressão sexual colocada em um discurso que, à sua época e à sua maneira, revolucionou tudo o que os "eugenistas" diziam e sabiam sobre sexualidade. Freud afirmou a existência de uma sexualidade infantil, argumentando também que a libido não é a responsável pelas doenças e distúrbios físicos e psíquicos, que têm como causa a repressão sexual. Pretendia inicialmente com a psicanálise, colaborar na descoberta das causas desta repressão, visando eliminá-la. No entanto, posteriormente, concluiu que a sociedade civilizatória depende da repressão sexual, devido ao caráter agressivo e destrutivo das pulsões sexuais conflitantes e que, embora fosse necessário diminuir a ignorância e os preconceitos sexuais, não seria possível, para o bem da humanidade e para a ordem social, eliminar toda a repressão. Além disso, o século passado vai trazer um conjunto de contribuições que levaram à reflexão sobre sexualidade. Por exemplo, a partir da década de 1980, o surgimento da AIDS obrigou as instituições e a própria família a uma mudança de postura com relação ao tema sexualidade; o risco da infecção pelo HIV e a gravidez não planejada entre adolescentes fizeram com que o sexo saísse do interior das casas e das pessoas e ganhasse status de discussão coletiva. O que fica evidenciado durante todo esse percurso histórico é a forma velada e preconceituosa, cercada de tabus com que a sexualidade humana foi tratada, (entenda-se sexualidade dos ditos normais), daí então o que não dizer da sexualidade da pessoa com deficiência! Estas pessoas tiveram que travar uma luta bem maior na conquista e garantia de seus direitos, já que vieram de um período de exclusão e negação para só agora passarem a gradualmente serem incluídas na sociedade. Através das dezenas de lutas e construção de documentos legais a pessoa com deficiência tornou-se portadora de direitos mais especificamente ao longo de sua história, a partir da preocupação com a educação de especiais, e veio a se tornar debatida, redirecionada e difundida principalmente a partir do surgimento do termo Educação Inclusiva que passou a ser reconhecido mundialmente a partir da Declaração de Salamanca, em 1994, reafirmando o compromisso com a efetivação de uma Educação para Todos, reconhecendo a urgência e necessidade de todas as pessoas com necessidades educacionais especiais serem inseridas dentro do sistema regular de ensino. A partir desse olhar lançado de forma diferente para esses seres humanos com potencialidades e limitações, com vontades e desejos tendo, indiscutivelmente o direito de expressar sua sexualidade passa- se automaticamente para a discussão e compreensão deste aspecto da pessoa com necessidades especiais. Falar pois desta remete-nos automaticamente, ao conceito de sexualidade humana em sua forma mais ampla, entendendo-se, inicialmente, o ser humano como um ser bio-psico- social e religioso, inserido em sua cultura, essa sexualidade tão reprimida, desfocada ou negada passa a ser observada e a ser admitida. Sendo a sexualidade um componente fundamental do ser humano, e estando presente em todas as fases da vida a partir da sua concepção, para um desenvolvimento satisfatório desta, é imprescindível o reconhecimento do próprio corpo, associando o tocar, o olhar, o sentir ao afetivo, daí é importância das pessoas que cuidam de pessoas com deficiência de ensinarem e mostrarem para a própria independência os cuidados com o corpo a partir da higiene pessoal. A sexualidade da pessoa com deficiência, quando estimulada, bem conduzida e encarada como parte integrante do ser, possibilita a este uma melhoria na auto-estima e desenvolvimento da afetividade,possibilita o bem-estar e aumenta a capacidade nas relações interpessoais.

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