quarta-feira, outubro 14, 2009

MONOGRAFIA: TRABALHO E APOSENTADORIA: HISTÓRIAS E EXPERIÊNCIAS DE VIDAS

Fundação Francisco Mascarenhas
Faculdades Integradas de Patos
EDUCAR – Cursos e Consultoria



CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE MENTAL






TRABALHO E APOSENTADORIA: HISTÓRIAS E EXPERIÊNCIAS DE VIDAS



MARIA VERÔNICA GUEDES DO NASCIMENTO


ORIENTADORA: DRA. ELIZABETH CHRISTINA DE A. LIMA – UFCG/CH/UASA







OUTUBRO DE 2008


















Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial, junto ao Curso de Especialização latu senso da FIP - Faculdades Integradas De Patos, sob a orientação da Profª. Drª. Elizabeth Christina de Andrade Lima.


AGRADECIMENTOS

Num percurso de pouco mais de um ano, fatos marcantes aconteceram e várias pessoas se fizeram presentes em minha vida, contribuindo de forma direta e indireta para a concretização deste trabalho. A todos agradeço pela colaboração, carinho e respeito. Agradeço especialmente por fazerem parte desse momento especial para mim.

Sempre em primeiro lugar a Deus, por estar permanentemente na minha vida, tornando tudo possível.

A minhas filhas Clara e Carine, que estiveram ao meu lado nesta caminhada, compreendendo o cansaço e aceitando a ausência em alguns momentos.

Meu particular reconhecimento e gratidão a Profª Elizabeth, que mais que uma orientadora, foi uma amiga atenciosa, compreensiva e persistente, se fazendo presente em todos os momentos desse processo, contribuindo para o amadurecimento das idéias e pacientemente organizando-as, tornando possível esse estudo.

Um especial agradecimento a meu pai que despertou em mim o interesse por essa temática e serviu de inspiração para a pesquisa sobre o assunto da aposentadoria; e a todos os demais entrevistados que me forneceram subsídios para a concretização desse estudo.

À amiga Jaciene pela colaboração na transcrição das entrevistas.

Aos colegas e professores do Curso de Especialização, que durante a nossa convivência, contribuíram para o aprofundamento dos meus conhecimentos e idéias.








SUMÁRIO



Introdução ............................................................................................................05
a) Apresentando o problema ...............................................................................05
b) Caminhos da Pesquisa .....................................................................................06
Capítulo I: Imagens e Práticas no Mundo do Trabalho .......................................09
Capítulo II: A Experiência do Ser e Estar Aposentado .......................................26
Capítulo III: Práticas de Sociabilidades e o “Lugar” do Aposentado na Sociedade Campinense ...........................................................................................................51
Capítulo IV: Aspectos Psicológicos e Saúde Mental dos Aposentados ..............58
Considerações Finais ...........................................................................................96
Referências Bibliográficas ..................................................................................98
Anexos








INTRODUÇÃO

A) APRESENTANDO O PROBLEMA:

O sonho da aposentadoria talvez seja um dos grandes anseios dos trabalhadores brasileiros. Vivendo em uma cultura que desvaloriza o trabalho, pois este é pensado como labuta, esforço, renúncia, cansaço e exploração, a possibilidade de deixar de trabalhar parece ser o grande e único caminho da liberdade tão desejada após anos de “batente”. Aliás, não é a toa que comumente pensamos o trabalho como a “ida ao batente”; o antropólogo Roberto DaMatta, já apontou alhures:

A rua é o espaço que permite a mediação pelo trabalho – o famoso “batente”, nome já indicativo de um obstáculo que temos que cruzar, ultrapassar ou tropeçar. Trabalho que no nosso sistema é concebido como castigo. E o nome diz tudo, pois a palavra deriva do latim tripaliare, que significa castigar com o tripaliu, instrumento que, na Roma Antiga, era um objeto de tortura, consistindo numa espécie de canga usada para suplicar escravos. (...) (DAMATTA, 1989, p.31)

Com visão tão negativa e pessimista sobre o trabalho o não-trabalho ganha em notoriedade e sentidos positivos; não trabalhar significa ser livre, autônomo, dono da própria vontade e “senhor de seu próprio tempo”. Acredita-se que o não trabalho liberta o homem dos “castigos” impostos pela obrigatoriedade no cumprimento de horários, expedientes, pontos e de toda a rotina estafante e degradante associada ao ato de trabalhar; parece então que trabalhamos, todos os dias, não pensando em produzir sentimentos de prazer e de compensação pelas atividades desenvolvidas, mas contando dias e horas para a tão esperada chegada da aposentadoria.
Só que se aposentar trás uma outra realidade: a passagem dos anos e a chegada da chamada “terceira idade” ou velhice. Raramente, salvo situações de exceção, o trabalhador brasileiro se aposenta antes dos cinqüenta e cinco ou sessenta anos, a média,
inclusive, é a partir dos sessenta anos. E talvez o grande “grito de liberdade”, após anos de “labuta”, tenha chegado tarde demais, pois o que fazer com essa liberdade? Com o receber salário de uma aposentadoria que exclui o idoso do mercado de trabalho e tacitamente o informa: “chega, o seu tempo de trabalho acabou, vá viver a sua liberdade”!
Mas que liberdade é essa? O que representa para o trabalhador a aposentadoria? Quais as expectativas e sonhos acalentados por anos de trabalho? E como é viver a experiência de estar aposentado? Essas são algumas das questões que pretendemos responder nessa monografia; tentaremos reconstituir experiências vividas no mundo do trabalho e na aposentadoria, para entender os vários significados do estar aposentado e às conseqüências psicológicas e culturais advindas de tal experiência.


B) CAMINHOS DA PESQUISA:


Para realizar a nossa pesquisa entrevistamos um total de 10 informantes (informações sobre seus dados pessoais se encontram em anexo), todos aposentados, de ambos os sexos, 05 homens e 05 mulheres, com idade entre 59 a 88 anos, sendo destes, 05 trabalhadores autônomos, 03 homens e 02 mulheres e 05 funcionários públicos, 03 homens e 02 mulheres.
O nosso método de coleta de dados foi à realização de entrevistas abertas, semi-estruturadas, com a elaboração de um roteiro prévio de questões (em anexo). Nos utilizamos também da história oral.
As entrevistas, que duraram em média uma a duas horas, foram gravadas em fita cassete e, logo após a sua realização, foram transcritas, em sua íntegra, pela própria pesquisadora. Após cada transcrição, procedemos a pelo menos duas leituras de cada texto, marcando os principais temas e os discursos mais relevantes para o nosso estudo. Posteriormente, no processo de análise mais aprofundado, foi feito o recorte dos textos, bem como colagem das entrevistas com os temas que orientaram a construção das categorias que desvelaram posições sociais, valores e sentimentos capazes de expressar o fenômeno da aposentadoria a partir da compreensão e do ponto de vista dos próprios aposentados.
A história oral foi aplicada pela primeira vez pela antropologia e ganhou relevância em outras áreas das ciências humanas, tais como a psicologia e a história; assim permitiu não só outros espaços para as produções das chamadas ciências humanas, como também permitiu um diálogo mais interdisciplinar com outros campos do saber, tais como a psicologia e a antropologia.
Assim, atualmente a história oral é bastante recorrente como um processo metodológico para a produção do conhecimento psicológico, antropológico, histórico etc. Ela consiste na produção de fontes de pesquisa que fornecerão caminhos para apreendermos a história em suas muitas facetas. Assim como a define Lucília Delgado:


A história oral é um procedimento metodológico que busca pela construção de fontes e documentos, registrar, através de narrativas introduzidas e estimuladas, testemunhos, versões e interpretações sobre a história e suas múltiplas facetas e dimensões: factuais, temporais, espaciais, conflituosas, consensuais. (DELGADO, 2006, p. 35)


Os discursos de nossos informantes aposentados torna-se um lugar de descobertas e de percepções diversas a respeito de um tempo vivido e experienciado por quem relata suas vidas, estas envoltas de sensibilidades que submergem junto às lembranças rememoradas de um determinado tempo e espaço. O que é o informante senão alguém que deposita no seu esforço de trazer à tona suas vivências, uma performance que deixa transparecer suas sensibilidades, emoções, bem como sua capacidade e inteligência de reelaborá-las? Tudo isso expressos na “arte da voz” acompanhada de gestos, músculos, respiração, lembranças...e imaginação.
Nossa intenção é tomar como ponto de partida para nossa viagem no tempo às recordações advindas de informantes que irão buscar num passado recente suas histórias de vida relacionadas às experiências vividas no trabalho e na aposentadoria, para tentarmos entender, através dessas temporalidades, as experiências do vivido e os conseqüentes problemas psicológicos e culturais.
Com base no exposto a presente monografia encontra-se dividida em quatro capítulos; no primeiro capítulo intitulado: “Imagens e Práticas no Mundo do Trabalho”, buscamos reconstituir as memórias de nossos informantes sobre suas experiências no espaço do trabalho; o que representa para eles o trabalho, a época em que trabalharam e tentamos estabelecer ainda uma comparação entre o estar e ser trabalhador e o estar e ser aposentado.
No segundo capítulo intitulado: “A Experiência do Ser e Estar Aposentado”, apresentamos os depoimentos de nossos informantes sobre a experiência da aposentadoria, como estão vivendo essa nova fase de suas vidas e qual o lugar da aposentadoria em seus cotidianos.
No terceiro capítulo, “Práticas de Sociabilidades e o ‘Lugar’ do Aposentado na Sociedade Campinense”, buscamos descobrir os espaços de entretenimento e as áreas e espaços de lazer oferecidos na cidade de Campina Grande aos idosos, ou “pessoas da terceira idade”. Tentamos problematizar até que ponto os lugares para as práticas de sociabilidade são, de fato, espaços de inserção e de interação para o idoso ou são uma invenção, uma empresa para auferir ganhos, lucros, com as pessoas da terceira idade.
No quarto e último capítulo intitulado: “Aspectos Psicológicos e Saúde Mental dos Aposentados” analisamos, do ponto de vista da saúde mental, os aspectos psicológicos de nossos informantes tendo como base a experiência vivida com a aposentadoria.
Por último, nas Considerações Finais, lançamos mão dos principais resultados alcançados com nossa pesquisa na expectativa de que essa monografia venha a contribuir com o tema da saúde mental e com os estudos sobre velhice e aposentadoria. E que venha, sobretudo, a servir de estímulo a novos estudos nessa área.















I CAPÍTULO: IMAGENS E PRÁTICAS DO MUNDO DO TRABALHO

Uma das evidências que salta os olhos quando se pensa a experiência da aposentadoria é a tomada de consciência de uma evidência: a associação da aposentadoria com a velhice. Em outros termos, a aposentadoria aparece como um fenômeno anunciador da velhice. Nesse cenário, o velho torna-se aquele que já não pode responder aos objetivos e anseios do “mundo do trabalho”, portanto, ele passa a ser “estrangeiro” e/ou “estranho” no universo social do sistema produtivo.
Surge, neste contexto, a invenção de termos tais como: inatividade, “ex” trabalhador, idoso, aposentado. Assim, ser e estar alijado do sistema produtivo quase que define inteiramente o “ser velho”, criando barreiras impeditivas de participação do idoso noutras dimensões da vida social.
Nessa perspectiva, a aposentadoria passa a ser sintoma social de envelhecimento, especialmente na contemporaneidade e nos centros urbanos. O indivíduo ao se tornar velho perde o poder, não só porque seu organismo está declinando biologicamente, mas porque é decretada assim pela cultura que valoriza a juventude, a força física e psicológica do corpo jovem, que significa saúde, robustez, beleza.
Muito se diz, segundo o adágio popular que “o trabalho dignifica o homem” e que uma “mente ocupada é uma mente sã”; sem dúvida essas criações do “saber popular” carregam consigo uma forte verdade: a de que realmente dividimos o nosso tempo e espaço entre o “trabalhar” e o “folgar”, entre as horas no “trabalho” e as horas “em casa”. Ficar na inatividade, deixando para trás esse “tempo do trabalho” pode ser uma experiência bastante difícil para o indivíduo que levou toda uma vida regulada pelas “horas do trabalho”, a sensação de “folga”, de improdutividade em excesso pode levar a um profundo sentimento de inutilidade, passando o indivíduo a sentir-se como alguém que pode plenamente ser descartado, e até mesmo excluído do convívio social.
Parece-nos que o grande paradoxo da aposentadoria são as perdas que ela representa; a sensação, muitas vezes, de vazio e inutilidade que ela aciona na mente do indivíduo provocando, comumente, uma visão saudosista e nostálgica de um tempo que se foi, e junto com ele, à satisfação do sentir-se útil.
Ora, mas a aposentadoria não tem sido nas sociedades modernas e em todo discurso em torno da terceira idade, ou da melhor idade a grande conquista do trabalhador e de uma vida inteira de “labuta”? A aposentadoria não seria o grande prêmio e a porta que se abre para a tão esperada e desejada liberdade?
Uma parte dos informantes demonstraram uma grande dificuldade em mudar, sobretudo, os hábitos cotidianos, antes tão marcados pelo ritmo do tempo do trabalho; o libertar-se da marcação do tempo pelo “relógio de ponto”, parece ser o grande desafio. Quando indagados sobre as diferenças entre estar aposentado e trabalhar, conseguimos os seguintes depoimentos:

Aposentado ficou melhor, né? Do que tá trabalhando. O melhor que eu achei foi de ficar livre daquela responsabilidade que eu tinha e... o ruim é que dá trabalho à gente se acostumar com a aposentadoria. Tem hora que a gente acha que tá bom, tem hora que acha que ta ruim... e... assim... eu não sei nem dizer. Mas que eu tô achando melhor do que quando tava “na ativa”, tô...tá muito melhor. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Trabalhar você tem um compromisso de estar naquele horário lá. Isso é uma diferença grande. E estar aposentado você não tem esse compromisso de se levantar apesar de que a gente vive naquela rotina, ai sempre se acorda naquele horário que a gente vinha acordando. Mas só em você não ter aquele compromisso de comparecer deixa a gente mais tranqüilo.(Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


De qualquer forma, trabalhando, a gente todo dia tem o contato com os colegas, né? E a gente sente falta, realmente a gente fica assim com saudade do convívio com as colegas, de ver todo dia lá; mas, por outro lado, eu acho muito bom porque não tem aquilo de todo dia estar olhando pra o relógio e saindo naquela pressa de meio-dia, né? Agora não, agora é tranqüilidade, almoçando tranqüilo, porque pra se livrar do stress só agora mesmo, das preocupações com a hora, né? E agora não tem mais a preocupação de sair na carreira. Eu sou uma pessoa muito pontual, nunca gostei de chegar no trabalho atrasada, quando Alexandre não ia eu me aperreava pra pegar o ônibus naquela hora. Pra sair do trabalho não, muitas vezes eu fugia cedo, mas pra chegar tinha que ser dez ou vinte minutos antes, trabalhei vinte e oito anos e seis meses, porque foi por insalubridade, e eu acho que nunca cheguei no trabalho



atrasada. Sempre tomei muito cuidado de chegar na hora certa. Só se fosse, assim, um motivo muito justo, mas mesmo assim
eu ligava e justificava. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)
Paradoxalmente, já para outros informantes, como os abaixo descritos, ao contrário dos que acreditam que a aposentadoria é que representa a liberdade, o trabalho
é quem provoca a sensação de liberdade, ao mesmo tempo em que de sociabilidade. O estar no trabalho, não representa somente trabalhar, “estar no batente”, mas também é conviver com as outras pessoas, além do sentimento de sentir-se útil;

Trabalhando eu era mais alegre, eu me sentia mais alegre porque eu conversava com os amigos e a turma que eu trabalhava, a gente brincava; e em casa eu casado há trinta e cinco anos e a mulher sai de casa e, às vezes, a conversa é pouca; o que às vezes me diverte é esse grupo de terceira idade que eu converso lá com um e com outro aí distrai um pouco também. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Pra mim tem uma diferença e grande, eu gostava de estar trabalhando e é melhor do que estar aqui o dia todo sentado e sem fazer nada esperando o tempo passar, e trabalhando é um divertimento. O meu divertimento é o trabalho. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Trabalhando é melhor né? Porque o camarada trabalhando ele se distrai. E o camarada viver parado, não é comigo, o tempo passa devagar demais. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)

O trabalho para os informantes acima citados, significa justamente distração, liberdade, comunicação, sociabilidade; e a aposentadoria, prisão, solidão, tristeza, silêncio. Esses depoimentos relembram a análise enfatizada por SALGADO (1997) através da seguinte formulação:

A aposentadoria decreta funcionalmente a velhice, ainda que o indivíduo não seja velho do ponto de vista biológico (...) é uma forma de produzir a rotatividade de mão-de-obra no trabalho, pela troca de gerações. (SALGADO, 1997, p. 05)

A aposentadoria tem sido para o sexo masculino uma experiência bem mais impactante do que para o sexo feminino, isso porque as características sociais do masculino em uma sociedade que prioriza o capital, a produção e o mundo público para os homens é algoz com os idosos, que com a aposentadoria passam a ter como espaço de convivência o recinto privado do lar, trocando a produtividade pela inatividade, e vivenciando perdas em decorrências de doenças e incapacidades.
Também contribui para a sensação de fracasso e de inutilidade evidenciada pelo idoso aposentado o fato de a divisão social do trabalho por sexo, na modernidade, ter firmado algumas crenças ainda vigentes nos tempos atuais:
→ a primeira é que há trabalho de homens e trabalho de mulheres;
→ a segunda é que o trabalho dos homens vale mais do que o trabalho das mulheres;
→ e a terceira é a de que mesmo as mulheres também assumindo o trabalho produtivo, é “natural” que continuem com o trabalho doméstico. (PACHECO, 2004)

Assim sendo, principalmente o homem idoso, diante da experiência da aposentadoria, não tendo a supremacia do espaço doméstico, ainda visto por muitos em nossa cultura, como um espaço socialmente pertencente às mulheres, marca seus dias de não-trabalho pelas lembranças do tempo em que produziam e eram reconhecidos, ou seja, o sentimento de vazio de atividades que pode se instalar frente essa realidade não tem compensação na área doméstica, muito pelo contrário, qualquer atividade que se refira ao espaço da casa é considerado como “espaço de mulher”, jamais “de homem”. (MOTTA, 2006)
Obviamente não é possível generalizar, e embora alguns homens estejam se tornando mais envolvidos com o trabalho doméstico e com a família, há pouca evidência de mudança social importante nos antigos padrões e papéis masculinos, estando à maioria, despreparados para lidar com o senso de inutilidade que a aposentadoria pode provocar. Assim é plausível a defesa de que uma masculinidade ao “velho estilo” ainda subsiste e sobrevive entre os idosos, o que dificulta ainda mais o cotidiano da aposentadoria dos homens.
Já outros informantes relataram com mais otimismo a sua experiência como aposentados, em comparação a vida ativa, imposta pelo “mundo do trabalho”:

É melhor aposentado, porque a gente tá descansando mais, não é? Sem trabalhar. Agora eu não trabalho como trabalhava.


Costurei muito, levei minha vida toda numa máquina, e agora não costuro mais para ninguém. Só pra mim mesmo. Mas já costurei pra homem, pra mulher, pra tudo. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Aposentado tá melhor porque agora, né? No tempo que eu trabalhava eu trabalhei muito. Trabalhei muito tempo na roça, em padaria, essas coisas. Mas tudo sem carteira assinada. Toda vida eu adorei trabalhar. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)

Estar livre das obrigações impostas pelo cotidiano do trabalho, muitas vezes marcado por anos de pesados esforços, parece ser o grande prêmio da aposentadoria. A possibilidade de trabalhar menos ou mesmo não trabalhar é uma conquista e um objetivo ansiosamente buscado, principalmente por àqueles cuja luta no espaço do trabalho tenha sido repleta de uma experiência de muito esforço. Junto com o processo do envelhecimento do corpo a aposentadoria aparece como o grande presente para este corpo idoso.
Ademais convêm salientar que, na atualidade, a sociedade de consumo valoriza e busca o corpo jovem, que demonstre vitalidade e força, ao mesmo tempo em que esconde as angústias provenientes dessa concepção constituída socialmente. Ao comungar com essa concepção, as pessoas acabam perdendo a noção de velhice entendida enquanto processo, a velhice se apresenta para muitos de forma instantânea; quando se dão conta, estão velhos, daí as inúmeras frustrações e angústias que são geradas por não se aceitarem, e não serem aceitos socialmente, começa então a luta pela resignificação em seu universo próprio, pela (re)invenção de seu cotidiano, daí porque se criam várias representações sobre o trabalho e a aposentadoria; daí porque para alguns o estar aposentado significa mais ganhos que perdas, e para outros, a aposentadoria é um momento de profunda solidão e perda de uma identidade. (CERTEAU, 1994).
As idéias não acompanham o envelhecimento físico na mesma velocidade, o choque às vezes se faz inevitável. O envelhecimento precisa ser encarado enquanto um processo que é inerente a todas as pessoas desde o nascimento; ao nascermos já estamos envelhecendo em nível celular. Afirma Noberto Bobbio em seu livro O Tempo da Memória: “A velhice não está separada do resto da vida que a precede: é a continuação de nossa adolescência, juventude, maturidade” (BOBBIO: 1997: p. 09). No entanto, a
velhice ainda é encarada enquanto evento; não lidamos com a idéia de envelhecer enquanto um processo natural e nos angustiamos com os sinais que são visíveis, com as
rugas, as perdas, com a idéia de finitude que ela traz, “a velhice, última fase da vida, exprime um ciclo que se avizinha do fim”. (BOBBIO, 1997: 27)
De acordo com Nobert Elias, em nossa sociedade contemporânea ocidental, as pessoas tendem a fugir da idéia de finitude, tornando-se, portanto, visível à dificuldade que algumas pessoas têm de identificar-se com os velhos e moribundos. Acrescenta o autor que o afastamento da idéia de morte é uma tentativa de fugir da lembrança de nossa própria morte, a morte é empurrada para os bastidores da vida social e os moribundos também. “...a partida começa muito antes...muitas pessoas morrem gradualmente; adoecem, envelhecem...a fragilidade dessas pessoas é muitas vezes suficiente para separar os que envelhecem dos vivos. Sua decadência as isola.” (ELIAS, 2001: 8).
Existe um medo de ser velho, e este medo encontra respaldo na própria sociedade que tenta mascarar e negar as marcas da velhice, sejam elas físicas, sejam elas psicológicas.
O corpo é um sinal simbólico que delimita a categoria etária de uma pessoa, mas não reflete o ser ou sentir-se pertencente a essa determinada categoria. Ser velho(a) não é uma categoria natural – assim como ser criança, adolescente, adulto – , é um processo que se constrói social e culturalmente. As imagens da velhice em nossa sociedade são constituídas socioculturalmente através da linguagem, no diálogo entre as diferenças e são subjetivadas, na maioria das vezes, como um espelho em negativo;

Portanto, nós damos conta de nós mesmos, de nossa própria idade e de nosso próprio grupo etário quando estabelecemos o diálogo com o diferente de nós, o outro, que com seu corpo e modo de existir no mundo social, nos coloca o tempo todo em grupo que delimita as nossas possibilidades expressivas e de sociabilidade. (MAGRO, 2003:38)

Voltar à vida ativa, sentir-se útil, produtivo, é uma alternativa, para muitos dos entrevistados, de recuperar uma dimensão do vivido corporal; trabalhar, pode ser nesse sentido, um espaço de sociabilidade que leva as pessoas envolvidas a comungarem um sentimento de pertença, até de festividade.
Indagados sobre se gostavam de seu trabalho, um de nossos informantes chamou a atenção para o lado prazeroso de seu ofício:

Gostava... (pausa) A coisa que eu mais gostava do meu trabalho... é porque eu sempre gostei de trabalhar e quanto mais eu fazia as coisas, cumpria com aquelas obrigações, mais eu achava bom. Assim... viajar, tinha (pausa) o lado bom e tinha o lado ruim, mas, tudo eu achei fácil de fazer, não achei muita coisa difícil, não. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)

O fato de viajar, conhecer lugares e pessoas imprimem a esse informante um sentido do trabalho como aventura, descobertas, lazer ou mesmo liberdade, noções bem diferentes do trabalho que prende, que obriga a um horário pouco flexível. Novamente comprovamos a máxima de que existem diferentes formas e concepções de trabalho.
Já outro informante, em suas memórias sobre o trabalho, relembra em tom de forte nostalgia o tempo em que trabalhava e chega a afirmar que era mais alegre trabalhando do que aposentado. Aproveita a sua narrativa para nos explicar o que foi feito dos bens que acumulou ao longo dos anos, como resultado de seu trabalho:

Adorava trabalhar. Gostava principalmente daquele lá de Umbuzeiro, pesado mesmo, mas gostava do trabalho de lá. Até que um dia Dr. Janduí chamou pra saber se eu queria ir trabalhar com ele numas fazendas lá pelo Cariri, mas eu num quis não; porque Dr. Janduí é um homem meio cheio de enrolada, de coisa aí eu pensei que podia não dar certo aí eu não quis não, fiquei em casa mesmo; também já “tô” numa idade meio avançada. Gostava mais por conta do tipo de trabalho e me sentia mais feliz também, mas em casa eu também sou feliz, ganho mais, mas era mais alegre; mas mesmo assim eu sou feliz também; me sinto realizado, tenho filhos já por conta deles, graças a Deus o que eu ganho e o da minha esposa dá pra viver tranquilamente, peguei minhas casas lá em Umbuzeiro e vendi tudinho, eu tinha três casas lá e vendi, entreguei o dinheiro aos meninos e não quis nem um centavo, dividi pros quatro e não peguei nada; agora essa minha aqui, nem vendo, nem nada, mas o resto eu vendi tudinho, aí um filho já tinha dado entrada em um apartamento e ficou melhor pra ele, o outro não tinha apartamento ainda, deu entrada também e deixei eles todos no que é deles, só o Marcelo que não tem ainda, mas o dinheiro tá na poupança e ele é meio desinteressado mas eu acho que ele vai comprar o dele. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)

É interessante observarmos como o citado informante “abre mão” ainda em vida, dos bens construídos ao longo de sua vida ativa, de seu patrimônio, em favor dos filhos, como renuncia a sua vida e a autonomia financeira. Como se diz feliz e ao mesmo tempo, afirma que quando trabalhava era mais alegre. Ele afirma e nega, ao mesmo tempo, a felicidade. É uma pessoa em conflito existencial, pessoal e social, que renuncia a própria autonomia, porque parece tê-la perdido, por envelhecer e por deixar de trabalhar.
Para outros de nossos informantes chama a atenção o gosto pelo trabalho por duas razões principais: um porque tinha total autonomia em seu emprego, por sua condição de chefe, automaticamente, de poder, frente aos seus subalternos, e o segundo pela espécie de “prestação de serviço” oferecido às pessoas que o procuraram no “balcão de atendimento”:

Demais. Porque eu era quem mandava, no meu trabalho quem mandava era eu. Eu recebia a ordem da indústria e o que eu dissesse tava dito e acabou-se, a ordem era minha. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Gostava! Porque eu também levava qualidade de vida para as pessoas. Condições de trabalhar para as pessoas se aposentar sem serem doentes. A minha parte era a segurança do trabalho, era orientar para as pessoas se prevenir na área da sua segurança, ter cuidado para não se acidentar. Para ele se aposentar nunca com seqüela do trabalho, daquilo que eles fazem. Porque a minha parte era essa, justamente orientar, observar, para que eles tenham cuidado naquilo que eles fazem, na saúde deles. Sempre procurava dar uma condição melhor de trabalho a eles, solicitando a empresa melhorar aquele ambiente de trabalho para aquelas pessoas, para que elas quando se aposentassem o dinheiro da aposentadoria não fosse para comprar remédio, mas para se alimentar, viajar. Era uma educação, uma formação pra eles. Uma educação bem preventiva. Tanto com a parte acidentária como a de doenças. Pra você não adquirir nem o acidente que te traz mutilações, prejuízos para a família, para os pais e também à parte de doença. Eu sempre orientava nesse sentido. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)

Para outro informante o lugar do trabalho chega a ser comparado a própria casa, tamanho o grau de satisfação vivido no ambiente de trabalho:

Demais. Porque meu trabalho era bom demais, meu pessoal era muito bom. Mesmo aqui dentro da cidade que eu trabalhei dezoito anos era bom e eu viajando era perigoso, mas era bom. E eu não tenho o que dizer nada da universidade. A universidade pra mim foi a minha casa da minha vida, foi a universidade. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Dos nossos dez informantes entrevistados, apenas uma, nos declarou não gostar do trabalho que desenvolveu durante sua vida ativa, principalmente por sentir-se bastante pressionada e até mesmo desrespeitada no ambiente de trabalho. O seu depoimento é comovente:

Pra ser sincera, eu não gostava, não (risos). Eu vim gostar um pouquinho agora no final. Porque sempre fui muito árduo, muitos dias eu fui chorar no banheiro, com os ouvidos e a cabeça cheia. O pessoal foi muito injusto comigo, fiquei três anos fazendo Central Telefônica, só sofrimento sabe? (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)

Assim o nível do prazer, por exemplo, no exercício do trabalho, está em relação direta com as condições, motivações e principalmente valorização e respeito atribuídos ao trabalhador, não é a toa que hoje se propaga tanto à máxima da “humanização do trabalho”, pois isto é condição para um sentimento de prazer e motivação ao exercício do trabalho.
Obviamente sente saudades do trabalho quem se sentiu, ao longo de sua vida ativa, mais realizado e feliz do que frustrado e triste. Nesses termos, também indagamos de nossos informantes se sentiam saudades de seu trabalho. A esmagadora maioria de nossos informantes demonstrou ter saudades de seus trabalhos, mas não exatamente da atividade laboral em si, mas, sobretudo, e sobremaneira, das amizades e dos laços de conhecimento construídos em decorrência do trabalho, além das alegrias sentidas. Vejamos os depoimentos abaixo descritos:

Às vezes... muito pouco... muito poucas vezes eu me lembro. Pelo menos, do caminhão, daqueles tratores que eu trabalhava neles, eu nem me lembro... as coisas que eu sinto saudade é quando o povo fica dizendo: “tal cidade, tal canto”, assim, aqueles lugares que eu passei, que eu parava pra almoçar, pra dormir, aqueles cantos, a gente sempre se lembra. Às vezes eu fico dizendo em casa até com saudade (risos) das estradas, daqueles açudes, daqueles lugares que eu passava todo dia. Sente saudades dessas coisas, mas do trabalho mesmo, às vezes dos colegas, não todos, mas dos colegas a gente sente saudades. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Sinto, porque eu era mais alegre, e tinha aqueles meninos que eu gostava muito deles, de brincar com eles: Bartolomeu, Edvaldo lá de Umbuzeiro; daqui não tem não, daqui eu quase
não tenho saudade de ninguém, eu tenho dos de lá. O trabalho daqui era diferente do de lá, mais maneiro, mas eu gostava mais do de lá. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)

Sinto muito, por tá parado, a gente não tá vendo aquelas pessoas que agente gosta, as amizades. Pra mim a universidade foi toda boa, desde o reitor até o varredor da rua. Servente, era bom mesmo nunca me ofenderam eu não posso falar de ninguém. Viajar era uma coisa boa com o pessoal que eram como uma família minha não teve nenhuma dificuldade não. Irmãos não que não é porque é irmão que é bom. Eu andava cento e trinta e nove cidades na Paraíba e em todas as cidades em nenhuma eu arrumei uma desamizade, aonde chegava tinha o apoio do prefeito da cidade, do secretário e das pessoas mesmo da cidade. Pra mim era ótimo, era a coisa melhor do mundo! (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Eu sinto porque com o trabalho, nos últimos dois ou três anos, tava tendo mais rendimento. Porque eu estava aposentado e estava trabalhando. Sinto saudade disso ai. Mas o trabalho em si, eu tenho saudade da convivência com aqueles trabalhadores. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


A experiência da aposentadoria parece, até o momento de nossa reflexão, ter oferecido mais perdas do que ganhos aos nossos informantes. A principal perda é o declínio de uma vida e de uma experiência social mais intensa, conseqüentemente, de um conjunto de práticas de sociabilidades que deixam de existir em sua plenitude.
Observamos que a aposentadoria traz para o indivíduo uma experiência de uma nova fase da vida que é o “voltar-se para a casa”, para o espaço do privado. Pois ao velho não é dada a oportunidade real de reinserção no mercado de trabalho ou na vida ativa. A imagem do “vestir o pijama”, simboliza e representa muito bem a saída do
espaço público, e do início de uma nova etapa que para muitos de nossos informantes é vista como prisão, enclausuramento, mordaça, sentimento de inutilidade, reta final.
O desejo de trabalhar, ou sentir-se ativo, parece ser o grande anseio posto por nossos informantes, e no caminho de desvendar o lugar do trabalho em seu cotidiano,
indagamos a eles se gostariam de ter desenvolvido atividades trabalhistas em outra área ou setor diverso do escolhido por eles, e no geral a atividade laboral escolhida, surgiu, para nossa surpresa, meio que ao acaso, sem muita clareza, sobre este aspecto conseguimos os seguintes depoimentos:

A minha profissão essa última, que eu me aposentei, esse meu trabalho que eu me aposentei, eu nem esperava; eu não sabia que eu ia terminar me aposentando nessa função que eu me aposentei. Por que eu tive aquela vida do campo, trabalhar em fazenda, como vaqueiro; aí depois mudou, continuou em fazenda, mas foi uma repartição pública, diferente daquela privada que eu trabalhava. Se eu não tivesse trabalhado nessas duas profissões, eu acho que a minha primeira tinha sido de pedreiro, carpinteiro, que até eu sei um pouco mas aí eu não continuei não. Eu entrei nesse último trabalho na EMBRAPA, como tratorista, depois mudou para, operador de máquinas e veículos, e por último teve uma mudança pra todo mundo, cada qual na sua graduação, aí ficou Auxiliar de Operações I, II e III; a mesma profissão mas só mudou os nomes, aí eu me aposentei como Auxiliar de Operações II. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Não me arrependi. Não queria ter trabalhado em outras coisas não. Costurei muito na casa dos outros, era por todo canto, costurava em casa e vinham me buscar em casa para costurar nas casas também. Costurei muito, mas cansei agora não quero mais, só faço pra mim. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Não me arrependi de jeito nenhum. Eu não posso dizer nada não, porque toda vida fui pobre e trabalhador e esse era melhor, mais maneiro, ganhava mais e os ambientes é outro. Eu fui chefe de repartição, fui tudo na vida, mais o melhor que achei foi esse. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)



Não. Todos os lugares que eu trabalhei, eu gostei. Não queria ter outros trabalhos. Eu me aposentei pelo rural, porque eu
trabalhava no rural ai depois eu cansei. Aí vim embora morar aqui em Campina com minha avó. Depois minha avó morreu eu fiquei fazendo uns bicos. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)

Apenas uma de nossas informantes demonstraram arrependimento pelo trabalho escolhido, e é notória a melancolia de suas palavras, carregadas de um forte sentimento de frustração:

Cheguei a me arrepender, por que eu tive oportunidades, fiz o concurso, desses concursos internos que tinha, desse que você tá na empresa e faz outro concurso, e eu fiz pra administração. Antes as meninas fizeram e passaram, mas eu fiz no outro, que veio bem difícil, aí eu não entrei. Realmente a tarefa de telefonista é muito árdua. Eu tentava muito ficar na parte de administração, e tive a chance também, porque eu fiquei três anos no almoxarifado, mas pra mim era uma loucura muito grande, Rivaldo mesmo foi quem me ajudou muito, dando conselhos, dizia que eu ficasse por lá mesmo, mas eu dizia que não, que queria ir pro telefone, mas na verdade não era pra eu ter saído do almoxarifado nunca. Mas eu não pensei e me arrependi muito. O trabalho no telefone dá muita dor de cabeça, principalmente aqueles telefones muito antigos, e às vezes sozinha, passei três anos sozinha; dava uma agonia no meu juízo que eu não conseguia dormir de noite, pedi afastamento, mas não me deram, disseram que eu tinha que trabalhar agora tomando remédio. Fiquei tomando remédio controlado muito tempo, depois eu deixei, mas foi muito mesmo. Tive muitas doenças no meu trabalho. Por isso que eu não sinto muita falta, mesmo. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)

Tentamos detectar nos discursos de nossos informantes a possibilidade da existência de um desejo de deixar o atual status de aposentado e reassumir o de trabalhador, nesse sentido, indagamos de nossos informantes se eles gostariam de voltar a trabalhar, e um deles nos respondeu construindo um interessante raciocínio que nos leva a pensar sobre o que representa o trabalho, enquanto ocupação do espaço público e a aposentadoria, como ocupação do espaço privado:

Gostaria minha filha, gostaria. Quem é que não gosta? Só cabra preguiçoso que não gosta. Parado é que não presta. Ai você fica só em casa, só em casa, só em casa. Ta certo que estar em casa é bom, mas direto ( pausa ) ai trabalhando é melhor. Tudo abusa, trabalho é divertimento e estar em casa abusa. Hoje uma hora dessas eu durmo e eu nunca fui de dormir de tarde. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)

O sentimento de inutilidade unido à sensação de um cotidiano repetitivo, por ser pura monotonia, chega a cansar o idoso aposentado. E talvez canse mais do que o próprio “estar trabalhando”, o próprio trabalho estafante, por este ser resultado do sentimento de ser e de estar ativo. A aposentadoria pode ser, para alguns, na verdade, o início de uma prisão e da perda dos desejos.
Recolhemos ainda os seguintes depoimentos dos que gostariam de voltar a trabalhar:

No mesmo trabalho se me chamasse eu trabalhava. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Hoje eu acho que eu voltaria, porque antes, no meu tempo sozinha, era uma central telefônica antiga, com muitos problemas, e eu sofri muito por causa disso; mas hoje tem uma programação nova, que você trabalha sozinha, sem preocupação nenhuma. Na época de hoje, eu voltaria, e também agora tem outra menina lá e a gente ficava a tarde todinha conversando; eu já tinha dado entrada e deixei seguir o processo da aposentadoria, mas quando saiu chega me deu uma tristeza, porque tava muito bom; eu fiquei com muita pena quando eu saí. Então se hoje eu precisasse voltar, eu voltava, tranqüila. Porque tá outra coisa hoje. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Gostaria! Porque trabalhar é bom. Tem gente que não gosta, mas eu gosto. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Gostaria, pra me sentir mais viva, mais ativa e melhorar a renda. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)

Já para outros informantes, pelo fato de haverem trabalhado muito, e gasto muito de suas energias, inclusive o resultado do trabalho ter deixado seqüelas, como a perda da saúde, o voltar a trabalhar não é visto como uma experiência positiva, nem tampouco, como um projeto de vida:

Se eu tivesse ainda a minha saúde e idade eu gostaria, mas agora mais não porque eu já tô cansada já estou velha. Eu
trabalhei muito agora tenho que descansar. Agora é só ficar em casa mesmo. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Agora não tem mais possibilidade não. Devido às pernas, varizes ai não da mais para trabalhar não. Agora é só para passear e luxar. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)

Encontramos dentre os nossos entrevistados apenas três informantes, que já aposentados, continuaram a desenvolver atividades laborais, o informante nº 1, que cuida atualmente de um sítio, localizado no cariri paraibano, onde planta e cria animais e o informante nº 7, que construiu uma empresa de lan house e juntamente com o genro, filha e netos, administra o seu negócio e o informante nº6 que montou um pequeno fiteiro para venda de lanches e confeitos em geral :

Hoje tenho uma lan house. Eu me sinto feliz, porque é com a família, a gente compartilha o trabalho, é como um divertimento e não tem aquele compromisso. Toda noite eu vou para lá porque sei que vou continuar o trabalho que já fazem; meu genro, minha filha, os netos também trabalham lá. Tem dois que estudam e vão fazer trabalho lá. Na verdade eu saí do trabalho formal, mas continuo com minhas atividades. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Ficou patente para nós a diferença de representações sobre o trabalho entre os três informantes que continuaram a desenvolver atividades no espaço público, ou seja, no mundo do trabalho, e os que se recolheram ao espaço privado, ou seja, a experiência da aposentadoria como condição do não-trabalho. Aqueles, durante toda a entrevista, demonstraram positividade quanto a sua realidade de aposentados, diferentemente dos demais informantes, cujo discurso é fortemente nostálgico e deprimido.
A grande diferença entre essas duas categorias de aposentados, se é que assim podemos nos expressar, é que a primeira não perdeu o sentimento e a prática de uma vida ativa, mesmo com a aposentadoria, nem se isolou no espaço da casa, como único movimento destinado ao idoso, ao contrário da segunda, que aliou aposentadoria ao não-trabalho, portanto, a uma situação de clausura dentro do espaço privado.
No sentido de provocarmos ainda mais os nossos informantes indagamos e insistimos com eles sobre o desejo de voltar a trabalhar se a eles fosse oferecido um emprego; a maioria dos informantes afirmou que seria simpático a idéia de voltar a trabalhar:

Se fosse um trabalho maneiro eu aceitaria, pra pelo menos fazer mais movimento. Se fosse um trabalhozinho ali na EMBRAPA do mesmo jeito que eu fazia eu aceitaria. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Aceitaria, porque eu ia divertir minha vida ainda e ainda ter como ajudar. E mesmo que não ajudasse, mas ajudava a empresa que trabalhava, porque produzir na empresa é ajudar também. Quando eu era encarregado da empresa eu ajudei mais do que eles me ajudaram. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Aceitaria. Com toda certeza minha filha! Porque eu me sinto melhor trabalhando. Sinto que estou viva, que sou útil. Sinto que sirvo. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Se fosse uma coisinha fácil, não era ruim, não; pra me distrair um pouco. (Entrevista com informante nº 09, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


O estar vivo, sentir-se útil, ajudar aos outros, ocuparem o tempo e distrair-se, foram algumas das justificativas encontradas para o intento de voltar ao mundo do trabalho. Nesse sentido, o trabalho é mais do que a ocupação de um determinado cargo em troca de um salário, é uma percepção de vida e de ocupação/controle do tempo e, sobretudo, de autonomia física e psíquica.
Já para outros informantes a idade e os anos de trabalho impedem o retorno a uma atividade laboral; igualmente as responsabilidades advindas com o trabalho, como o cumprimento de horários, parecem ser, para alguns, elemento impeditivo no desejo de retorno ao mundo do trabalho:

Não. Quero mais não. Tô velha e cansada, já trabalhei demais, agora é só descansar. (Entrevista com informante nº 04, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Aceitaria não. Porque eu já cansei, já trabalhei muito. (Entrevista com informante nº 08, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Eu acho que, como se diz, o dinheiro é muito bom, mas o descanso é muito melhor. Trabalhando você tem o compromisso, né? E você vive muito preso a isso. E até porque
com a aposentadoria dá pra gente ir vivendo né? Eu acho que não precisa, só se fosse uma coisa muito boa mesmo. Depende
muito de qual for o trabalho e a remuneração (risos). (Entrevista com informante nº 09, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


A aposentadoria chega ao cotidiano dos trabalhadores, às vezes de maneira preparada, às vezes de forma abrupta; no sentido de buscar entender as experiências vividas de homens e mulheres trabalhadoras antes e depois da aposentadoria, indagamos de nossos informantes quais eram seus planos de vida antes de se aposentarem e recebemos depoimentos que são atravessados por atividades laborais; a grande finalidade dos planejamentos de vida de nossos informantes se dirigiram para o cumprimento de atividades com vistas a garantir a manutenção, sobretudo, da família. Com tais depoimentos se observa, novamente, a importância do trabalho na vida/cotidiano de nossos informantes:

Era de ter cuidado no trabalho, de casa para o trabalho até hora-extra fazia, se fosse possível. Adorava o trabalho, quando eu tava no trabalho não parava não, só se fosse uma coisa que não pudesse de jeito nenhum. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Fazer uma casa boa, lutei ate que fiz. Trabalhei feito doido rolando dias e dias. Eu ia em casa duas vezes por semana até que fiz e pronto. Depois que eu fiz acabou-se. Ai eu descansei minha vida. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Os planos eram só esses mesmos, ter uma vida melhor, né? Trabalhar, mas acho que consegui me realizar demais até.
(Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Baseadas nas narrativas de nossos informantes, um fato foi recorrente: a profunda importância que o trabalho possui na vida dessas pessoas. Os seus significados são múltiplos e não se reduzem apenas a uma relação meramente mercantil de troca de mão-de-obra por salário; o ato de trabalhar é investido de outros significados que fazem
parte do campo do prazer, da satisfação pessoal, do desejo de sentir-se útil e com uma identidade socialmente reconhecida.
Nesses termos, o não-trabalho opera como a negação de toda a positividade atribuída ao trabalho, e o que resta é a sensação de vazio, abandono, inutilidade e apatia sofrida por quem se vê alijado do processo produtivo.
Na verdade, parece-nos que a sociedade moderna e particularmente, a brasileira, não se preparou culturalmente para acolher as centenas de milhares de homens e mulheres que se aposentam anualmente. Eles são comumente vistos como o refugo da sociedade, como imprestáveis num mundo que supervaloriza o corpo jovem e a força física, a vida ativa e o trabalho produtivo. O seu lugar comum passa a ser a casa – o espaço privado, exigindo dessas pessoas toda uma reatualização de seus papéis culturais, antes marcados pelo mundo do trabalho – espaço público.
Cabe-nos no próximo capítulo buscar entender e analisar exatamente a experiência do ser e estar aposentado. O que muda no cotidiano das pessoas com essa nova etapa de vida? Como os nossos informantes estão vivenciando este novo, e às vezes, assustador, momento?




















II CAPÍTULO: A EXPERIÊNCIA DO SER E ESTAR APOSENTADO

Dentre os nossos informantes entrevistados, exatamente a metade dos dez, ainda não chegou a quatro anos de aposentadoria, os demais, já estão aposentados, em média, há 20 anos. Tal fato nos propiciou a coleta de discursos bem interessantes sobre o ser e o estar aposentado, pois tivemos um bom equilíbrio quanto à temporalidade dos aposentados. No entanto, no geral, os discursos sobre o estar aposentado foram bastante parecidos, independentemente do tempo de aposentadoria. Observamos sim, foi um forte processo de frustração sobre o que se espera dessa fase da vida e o que realmente se alcança. Vejamos alguns depoimentos como os abaixo descritos:

A aposentadoria, eu já vivia esperando a tempo. E pra mim... Só que mudou, assim, umas coisas... (pausa) de quando tava “na ativa” pra depois que eu me aposentei. A vida “na ativa” é uma e na aposentadoria é outra completamente diferente. (Entrevista com informante nº 1, 67anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Eu não tinha nem muita vontade de me aposentar, mas como eu achei que aposentado ia ganhar mais do que trabalhando, me aposentei. Quando eu me aposentei eu pensei em comprar uma granjazinha pra mim, pra eu trabalhar, porque toda a vida eu gostei de trabalho de campo, mas disse isso à esposa a aos meus filhos que moram distante e eles disseram: “pai, não adianta o senhor comprar granja”, “pra que o senhor quer comprar mais granja? A gente já toma tudo conta da gente e o senhor já ta só com mãe e o senhor já é aposentado; mamãe é aposentada também, por que o senhor não fica em casa? Porque granja aqui em Campina, às vezes, quando o povo sabe que a pessoa é aposentada, assalta e essas coisas; deixe disso, vá embora descansar, o senhor já trabalhou demais”. A minha esposa quer que eu vá fazer serviço voluntário e eu não quero. Ela é aposentada pelo estado de Pernambuco e ensina pela prefeitura aqui de Campina. Eu sempre dou uma ajudazinha, mas não é muito não. Pego material, vou buscar material ali no Rede Compras, em diversos setores pra ela fazer o serviço voluntário. Não é bem o que gosto, trabalhei muito na agricultura e meu serviço sempre foi agricultura. Até um tempo que eu trabalhei em Umbuzeiro, que eu trabalhei lá também, que aquilo é um serviço quase de agricultura também, em fazenda, essas coisas. Eu vivo quase sem fazer nada, agora eu sempre faço uns acompanhamentos no grupo de terceira idade; eu vou pra o Meninão todos os dias, faço aquelas atividades, aquecimento,


essas coisas; vou ao outro grupo também, uma vez por semana ou duas, e é isso; ajudo às vezes pra fazer serviço de casa. Meus filhos são casados, moram todos longe... são cinco, quatro homens e uma mulher; Ana mora aqui perto, mas os filhos moram todos longe: dois moram em Goiânia, na capital de Goiás, que quinta-feira eu vou pra lá; Sérgio mora em João Pessoa; e Ana é que mora aqui em Bodocongó que é mais perto e eu e minha mulher em casa só. (Entrevista com informante nº 2, 67anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


É interessante observar no último depoimento como a experiência com a aposentadoria já vem, para nosso informante, marcada pela frustração, pela impossibilidade de realizar os seus projetos de vida, seus sonhos e de como ele se encontra à mercê da opinião e expectativa dos filhos, num primeiro plano, e da mulher, num segundo. O seu discurso é profundamente amargo, marcado por uma insatisfação em não querer nem sequer se aposentar, mas em busca de uma promessa de melhoria, principalmente financeira, resolve ir literalmente para o “sacrifício”.
O sentimento de solidão sofrido por este idoso não é suprido nem sequer, pela companhia de sua esposa, nem tampouco pelos chamados “grupos da terceira idade”. Que em sua essência, pouca eficácia tem na vida do nosso informante.
Guita Debert em seu livro A Reinvenção da Velhice questiona a criação dos grupos de terceira idade, principalmente no tocante a ênfase destes na velhice ativa enquanto ideal a ser seguido como solução para uma velhice bem sucedida. Ela mostra que “esses espaços são arenas privilegiadas para a negação da velhice” (DEBERT, 2004,15). Mas ao mesmo tempo mostra que há uma proliferação dos programas no Brasil e sua contribuição. “Estes programas, encorajando a busca da auto-expressão e a exploração de identidades de um modo que era exclusivo da juventude, abrem espaços para que uma experiência inovadora possa ser vivida coletivamente e indicam que a sociedade brasileira é hoje mais sensível aos problemas do envelhecimento.” (DEBERT, 2004:15).
Por um lado, a invenção da terceira idade traduz novas configurações das experiências de velhice, onde se intensifica cada vez mais uma “comunidade de aposentados”. O termo foi originado na França com a criação das “Universités Du Troisième Age” na década de 70 e tem se popularizado no Brasil na forma de uma política específica para a velhice. Por outro lado, os grupos de terceira idade pretendem ser o canal de autonomia, socialização e entretenimento do idoso aposentado, no entanto, de nada adianta a invenção desses espaços se ele não é acompanhado de todo um ambiente público

e privado que acolha o aposentado em sua nova etapa de vida, pois o grupo de terceira idade é intermitente e sazonal, enquanto o cotidiano e a realidade da vida do aposentado é diário. Cabe então entender o lugar que o aposentado objetivamente ocupa em nossa sociedade, baseado na cultura, antes de construir ambientes paliativos para esses homens e mulheres “descartáveis” de nossa sociedade. A propósito, convêm salientar que é maior participação do púbico feminino nessas formas de sociabilidades, os homens, comumente se mostram mais reservados e indiferentes.
Abaixo mais alguns depoimentos, sobre a experiência do estar aposentado, para corroborar com nossas análises:

Eu achei ruim. Eu não gosto não. Ficar parado aqui dormindo desse jeito eu não gosto não. Eu rodava o mundo todo não parava nem um dia. Eu sempre gostei de trabalhar, comecei com sete anos e terminei com setenta e dois anos. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)

O sedentarismo, a sonolência, a sensação de lentidão das horas, e, sobretudo, o sentimento de inutilidade, foram sensações comuns entre a maioria de nossos informantes, a exemplo do depoimento acima descrito. No entanto, coletamos também narrativas bastante otimistas sobre a experiência do estar aposentado, sobretudo em decorrência da autonomia financeira, garantida com o salário da aposentadoria:

Pra mim representou muito bem. Estou melhor do que tava né? A gente quando tem um dinheirinho certo, é bom né? (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Eu orava dia e noite por essa aposentadoria que, graças a Deus, chegou. Muitas pessoas lá no hospital que já completaram o tempo não querem se aposentar por causa do dinheiro, mas pra mim foi ótimo, não sinto falta, mesmo que diminua um pouquinho, tá bom demais; eu to aprendendo outras coisas; foi uma glória pra mim, gostei bastante. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Representa uma maneira de você terminar seus dias, mais descansado. Representa lazer, saúde qualidade de vida. A gente procurar aperfeiçoar a qualidade de vida principalmente. Pra mim o fundamental é a qualidade de vida. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)



Foi bom demais, porque já estou de idade e hoje já tenho a minha aposentadoria certa. Já tenho meu pãozinho de cada dia certo graças a Deus. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)

A possibilidade de ganhos financeiros auferidos pela aposentadoria é um ideal desejado por todos os idosos. No entanto, infelizmente, nem todos podem desfrutar desse benefício. A título de informação, para se ter uma idéia, o IBGE, ao divulgar os indicadores sociais do ano de 2007, constatou que na “Paraíba existem mais de 400 mil idosos, sendo que 73.440 estão fora da lista de aposentados da Previdência Social, o que corresponde a 18% deste segmento populacional, pois não atendem a pré-requisitos previdenciários.” (Jornal da Paraíba, Caderno Cidades, 27 de setembro de 2008, Campina Grande – PB)
Ao serem indagados sobre se tinham, ainda estando na vida ativa, intenções de se aposentar, obtivemos as seguintes respostas de alguns de nossos informantes:

Tinha intenção de me aposentar pra comprar uma granja; depois os meninos disseram que eu não fizesse aí eu desisti disso, mas tem horas que eu me sinto muito só, e a mulher insiste pra eu ir trabalhar lá no serviço voluntário em diversos cantos, mas eu não quero, porque o meu serviço que eu gostava era serviço de agricultura ou então pecuária, essas coisas; e pra ta em hospital ajudando, fazendo essas coisas, eu prefiro ficar em casa mesmo. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Merece destaque o sentimento de opressão em que vive esse informante. Ser obrigado a gostar do que não gosta, a fazer o que não quer e a se submeter ao que os filhos acham que ele deve fazer e como viver. Assim se constrói uma visão muito pessimista e triste sobre a aposentadoria e sobre o resto de vida deste indivíduo. Pensamos em sua saúde mental; certamente encontra-se bastante comprometida por uma série de interditos, proibições e decisões dos outros sobre o que deve e não deve fazer, sobre o que deve e o que não deve gostar etc.
Já outro informante nos demonstrou o desejo em não se aposentar e continuar com sua vida ativa propiciada pelo trabalho:

Não. Eu não gostaria de me aposentar, eu gostava de trabalhar. Nunca tive intenção nem tenho hoje. Se mandasse voltar a trabalhar eu voltava a trabalhar. Eu preferia trabalhar.


(Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)

Quanto aos demais informantes, estar aposentado significa felicidade, realização e liberdade de anos de muito trabalho e, sobretudo, a promessa de dias tranqüilos, pelo salário propiciado com a aposentadoria:

Queria, porque eu costurei muito, trabalhei muito. Me aposentei de costureira. Ai sempre eu quis me aposentar, porque a gente
descansa mais. Tem um dinheirinho certo, é pouco mais serve. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Tinha. Era meu sonho. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Tinha, tinha. Trabalhei pra isso! (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Eu toda vida tive, porque é o futuro dos idosos né? (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Foi de um minuto pra outro. Eu não tava nem com vontade porque teve até professora que nem se aposentou, por que elas diziam que ficava ganhando menos, mas eu me aposentei, num liguei pra nada não. Pensei logo: “vou me aposentar por que eu fico livre”. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


As respostas dadas por nossos informantes corroboram com a análise proposta por Guita Debert (1994) para quem a aposentadoria ganha um novo significado: os velhos voluntariamente decidem se aposentar, assim a aposentadoria deixa de ser uma imposição, para ser um desejo do aposentado:

A tendência era mostrar que a grande maioria dos velhos permanecia no trabalho tanto quanto podia, e só se aposentava por obrigação; ou ainda, que, dentre os que estavam em condições de continuar trabalhando, poucos decidiram se aposentar. Em contraste, as pesquisas mais recentes tendem a mostrar que a aposentadoria é uma decisão voluntária, fruto de uma escolha racional com base nos cálculos sobre as vantagens



financeiras propiciadas pelos rendimentos da aposentadoria. (DEBERT, 1994, p. 42)

A aposentadoria representa para muitos aposentados a possibilidade de receberem um salário sem trabalhar e a oportunidade de liberdade das regras impostas pelo trabalho. No entanto, apesar da maioria de nossos informantes terem demonstrado satisfação em se aposentar, o que realmente representa o estar aposentado? O que fazem os idosos para ocuparem seu tempo? Como dividem o seu dia em termos de atividade e de lazer?
Pois é notória a observação que mesmo sendo bastante ansiada a aposentadoria, dificilmente algum ser humano suportaria, a não ser em casos excepcionais, passar o dia sem nada fazer. Quando instados a explicarem como ocupam o seu dia, coletamos os seguintes depoimentos:

Fazendo as minhas atividades, aquilo que eu nunca pude fazer estando empregado: cuidar do roçado, da casa ter mais tempo na hora que disser assim “hoje eu vou pra tal canto”, não tem mais dificuldade. Tem mais tempo livre, muito embora que às vezes a gente pensa que tem mais tempo e fica com mais coisa pra fazer do que quando tava trabalhando, mas pelo menos a gente tem a liberdade de fazer o que a gente quiser na hora que a gente quiser. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Essa possibilidade de ter liberdade para fazer o que se quer e na hora em que se quer, é um dos grandes presentes ou sensações de estar aposentado. Afinal, não se
tem mais patrão, nem livro de ponto. Parece que a aposentadoria oferece ao indivíduo a chance para viver outras formas de ocupação ainda não oferecidas e/ou vividas na época da “ativa” e que finalmente, se torna possível.
Já para outros informantes o “nada fazer”, e a negação de uma rotina pré-determinada é a opção seguida, ele nos afirmou que ocupa o seu tempo

Com besteira quando eu quero fazer, ajeitando uma parede, pintando, fazendo qualquer besteira para não estar parado e pagar, é melhor a gente fazer, ai isso eu faço. É melhor pintar a casa do que pagar ao cara. Coloco o cara para me ajudar, porque a gente só também não dá. Tanto ocupa o tempo quanto gasta menos. Gastar gasta, mas gasta menos. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


No entanto, encontramos nos depoimentos de outros informantes uma forte tentativa de ocupação do tempo através do estabelecimento de uma rotina que aqui chamaremos de “doméstica”, ou seja, mesmo não estando preso ao relógio de ponto e a obrigatoriedade de estar no trabalho todos os dias, o ex-trabalhador acaba adotando toda uma rotina privada de ocupação do tempo, respeitando ao ritmo do relógio, fato que nos pareceu bastante interessante:

Me acordo de manhã vou pro grupo de terceira idade, como eu falei; aí quando chego em casa tomo banho, tomo café, ajudo a mulher em serviço doméstico, muito pouco, e quando termino, às vezes, gosto muito de ler também, tenho bons livros em casa,
às vezes eu leio um; televisão eu só gosto de assistir mais jornal, essas coisas à noite. Eu gosto de ler (risos) esses livros de viver bem, dando aqueles conselhos; aqueles livros de medicina alternativa, a bíblia, eu leio muito. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Tem uma máquina ali, eu emendo retalho costuro para a família para os netos. Sempre me ocupo em alguma coisa. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Macramê, crochê e vou pra igreja. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Eu ajudo em casa. De manhã nós caminhamos, depois da caminhada vou apanhar minha filha com meu genro e dois filhos e trago pra minha casa. Que é quem fica na lan house de manhã ate a noite é meu genro. Depois venho para casa e vou ajudar a minha mulher nas atividades de casa, que é muito
serviço e eu gosto também de cultivar uma roça no quintal, ajeitar as plantas. Que eu fui criado na roça e gosto muito da natureza e não é nem para colher alguma coisa, mas sim para se divertir e por ser uma terapia. Eu gosto muito de acordar cedo e
estar sempre ajeitado uma torneira, um vazamento de água. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Cuidando de casa. Arrumo uma coisinha aqui e ali com minha irmã, não tem mais o que se fazer não. Só cuidar de casa mesmo. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Fazendo crochê, bordando e cuidando de uma neta. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)

Os informantes acima descritos têm uma peculiaridade: a busca de ocupação do tempo nos limites do espaço doméstico e em companhia do cônjuge ou de familiares. Chamou-nos a atenção o fato de dois de nossos depoentes afirmarem que ajudam as suas esposas nos trabalhos domésticos; é raro encontrarmos tais afirmativas em decorrência de ainda vivermos em uma sociedade altamente sexista que separa homens e mulheres nos espaços público e privado.
Um outro informante para exatamente “fugir” da lida doméstica, encontrou alternativa diversa a seus dois colegas acima citados, abriu um pequeno fiteiro, para assim poder sair de casa e não mais irritar sua mulher estando em um espaço, o espaço da casa, que sempre foi exclusividade sua:

Quem ocupa meu tempo é esse fiteirinho, não é? Mas é só pra não ta em casa, se ficar em casa à gente briga com a mulher. Porque a mulher começa a encher o saco. “mas rapaz, vá procurar um emprego, inventa uma coisa e outra ai”. Ai pronto não da certo, ai eu me aposentei passei um ano passeando mas ela, fomos visitar meus filhos que estão todos casados. Ai eu disse; sabe de uma coisa, eu vou inventar um negócio pra não ta olhando pra tua cara toda hora. Ela pegou um ar! (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)

Já outra informante afirma que ocupa boa parte de seu tempo indo a igreja e participando de atividades comunitárias. O incentivo ao comunitarismo tem sido um importante suporte na ocupação do tempo de ex-trabalhadores:

Eu vou pra igreja, já hoje eu fui orar, de noite eu vou de novo, pra uma campanha que tem, de tarde eu vou pra Campina pra uma consulta de vista, aí eu tenho que vir com tempo de ir pra igreja, aí o que eu gosto mesmo é de orar e cantar louvores a Deus, servir a Ele, orar pelos meus filhos; ir na casa dos meus filhos, sempre vou. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


Para muitos aposentados, falar sobre a experiência da aposentadoria é tema tabu, ou seja, deve ser evitado ao máximo uma vez que significa para o idoso avaliar a própria condição de aposentado. Ao serem indagados sobre se falavam uns com os outros sobre aposentadoria, surpreendeu-nos como o critério valor do salário da aposentadoria é tema corriqueiro entre eles e instrumento motivador para a tomada de decisão ou desistência da aposentadoria, mesmo o indivíduo estando em tempo para se aposentar:

Converso. Sempre falam sobre aposentadoria. Teve muitos que não tiveram nem direito das mesmas coisas que eu tive, teve muitos que perderam o plano de saúde, que ficou mais difícil ainda, mas eu pelo menos não perdi. “Tô” achando muito difícil de pagar por que o governo tá (risos)... A gente tá pagando umas taxas muito altas dessas aposentadorias da gente. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Converso. Uns dizem que tão gostando, outros dizem que não gostam, mas converso. Às vezes vou lá na portaria da Embrapa, me sento lá junto com o vigilante, eu era acostumado trabalhar com ele como vigilante, às vezes fico lá horas e horas conversando no final de semana, vai do tempo também. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Fala sim sobre aposentadoria, elas dizem que quem tá trabalhando não sabe o que tá perdendo, fica no maior stress do mundo (risos). Têm outras que dizem que tem medo de se aposentar, que pode ser que perca um dinheirinho, e as outras dizem: “Mulher deixa de ser boba, vai se aposentar e cuidar da tua vida”. Lá no HU tem um monte de mulheres assim da minha idade e até mais velhas que tomam conta dos ambulatórios, era pra ter se aposentado há cinco anos, estressadas, tem dia que a gente chega e elas tão naquele stress medonho, passam por isso tudo pra não perder um dinheirinho. Enquanto tem muita gente nova querendo entrar, vivem nesse stress, muitas vezes
nem trabalha direito porque tá cansada; eu acho isso errado. Eu acho que chegando à época, podendo, saia e dê lugar pra outro. Esse povo mais novo chega com toda garra e os mais velhos, com medo de perder dinheiro, ocupando o lugar deles. Nem fazem mais como deviam, porque já tão muito cansados, muito estressados. E como se acostumam com isso, prejudicam o hospital, prejudicam o público. Eu acho muito errado. Eu vi num jornal acho que no ano 2000, que os funcionários do Ministério da Saúde, o ex-INAMPS, só iriam trabalhar até, no máximo 2008; chegou o ano, e tão tudinho lá, agarrado no hospital, pra não dispensar o dinheiro. Quando eu saí, não me arrependi, porque eu sei que tava deixando o meu lugar pra outro. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Observamos nos depoimentos de nossos informantes uma contradição muito contundente: o desejo da aposentadoria unida a um forte sentimento de medo quanto às

incertezas que essa nova fase da vida pode trazer; o medo mais presente foi exatamente o do aposentado ter uma queda em seu salário ou não ganhar o suficiente para sustentar a sua família. Os depoimentos acima citado corroboram com essa assertiva.
Assim, esse medo acaba sendo altamente prejudicial para a saúde mental do idoso porque ele desemboca na área da tranqüilidade e equilíbrio mental. Tal medo se justifica inclusive porque atualmente na sociedade brasileira a cada ano aumenta o número de idosos provedores dos filhos já casados e que constituíram famílias, mas que se encontram desempregados ou responsável pelo sustento dos netos.
Clarice Ehlers Peixoto, em seu artigo: “Aposentadoria: retorno ao trabalho e solidariedade familiar” nos oferece importantes informações sobre a problemática atual do aposentado no Brasil; explica a autora:

O sistema de aposentadorias brasileiro é um regime de repartição simples, com prestações bem definidas: as cotizações são divididas entre os assalariados e os empregadores. Considerando que é o Estado quem determina as taxas de reposição salarial ao nível macroeconômico, e que uma das preocupações maiores é a “crise da Previdência Social”, conseqüência do déficit do sistema previdenciário, o Estado brasileiro controla a revalorização do salário mínimo e, conseqüentemente, das aposentadorias. Além disso, há vários anos que esse sistema não atende mais ao seu objetivo primeiro que determinava que os trabalhadores pudessem dispor, no momento da aposentadoria, de um nível de vida próximo àquele do seu período de atividade. (PEIXOTO, 2004, p.60)


Ao continuar a serem provedores e a destinarem, portanto, boa parte dos recursos da aposentadoria com a família e parentes próximos, onde fica o lazer, a liberdade e o “aproveitar a vida” do idoso? Como acreditar que ele realmente mudou à sua qualidade de vida, se continua a acumular problemas semelhantes de busca pela sobrevivência de quando estava na ativa?
No sentido de questionar ao idoso exatamente sobre esse paradoxo lhes perguntamos o que eles ganharam com a aposentadoria:

O que eu ganhei foi à liberdade. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Eu ganhei uma coisa muito importante na vida de todos nós, que é a liberdade. E conviver também, junto com a família.


Ficar liberto, sem compromisso de sair pra trabalhar. Eu gosto de trabalhar, mas prefiro trabalhar aqui com meu filhos, com minha família, somente. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Ganhar a liberdade pode ser a grande emoção, alívio e conquista da vida, pode ser a oportunidade, para finalmente, se fazer o que se deseja e realizar plenamente esse desejo. No entanto, para outros o “ganhar”, pode estar associado não à realização de um desejo, mas a aquisição de bens financeiros, como demonstra a fala abaixo transcrita:

Nada! Eles me levaram não é? Estão me roubando. Não dá para nada o que eu ganho. Se eu for gastar não dá para nada. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)

Para outros informantes eles ganharam preguiça, descanso, tranqüilidade, sossego e tempo; é interessante observar como parece ser inconciliável o ter tudo isso conciliado ao trabalho, novamente se fortalece a máxima da noção do trabalho como labuta, esforço e cumprimento de obrigações:

Ganhei descanso. Porque eu trabalhava muito. Hoje não trabalho mais. O pouco que ganho dá pra mim. Tenho tempo para dormir, só que não gosto de dormir. Tem uma cama ali, mas nem nela me deito, porque não durmo aqui e quando estou em casa não gosto de me deitar. Nunca fui dorminhoca, queria muito ser. Hoje eu queria, mas não consigo. Quando a gente morou no sitio eu dormia seis horas da manhã e me acordava de quatro da madrugada. Nunca fomos andejas. Meu pai nos criou sem sair. Parque do povo eu não sei nem como é. Nunca fui! Nem solteira, nem casada. Meu velho mandava às vezes eu ir porque ele dizia que não ia mas eu podia ir. Mas sem ele eu não ia pra lugar nenhum. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Preguiça. Sem fazer nada. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


(Risos) Tempo, só o tempo pra ir pra onde quiser. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Foi o sossego, né? O sossego e a tranqüilidade. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Eu ganhei a vida melhor, né? A vida mais tranqüila, sem trabalhar, ficou outra coisa. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, Auxiliar de professora)


Só segurança mesmo. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Mas foi na indagação feita sobre o que o idoso perdeu com a aposentadoria que sentimos maior impacto quanto ao profundo sentimento de carência, abandono e exclusão experienciadas no dia-a-dia do aposentado. Chega a ser comovente alguns depoimentos que retratam, com muita fidelidade, sentimentos tão tristes, o principal deles, a perda de amizades:

Eu acho que eu perdi um pouquinho de amizade com os colegas de trabalho; eles sempre falam comigo, mas não falam como quando eu trabalhava que era mais animado, então eu acho que eu perdi um pouco isso. Quando a pessoa pára de trabalhar se quebra um pouco e eles já ficam mais do lado daqueles que trabalham juntos e a gente já fica um pouco “por fora”. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Perdi muito. Minhas amizades, que a gente arruma pelos cantos do mundo e é bom; conhecimento, porque o conhecimento que eu apanhei trabalhando nem se compara, antigamente eu conhecia todo mundo, ia pra São Paulo, andei o sertão todinho, e conheci muita gente. Eu gostava mesmo, se ninguém gostou do trabalho, eu gostei do meu, adorava meu trabalho. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Realmente não é a toa que se diz que o homem é um ser sociável, e que jamais sobreviveria sozinho. Essa máxima é bastante verdadeira. O lugar que os amigos ocupam na vida do indivíduo é absolutamente imprescindível. E estar ou se ver sem amigos é o mesmo que perder algo muito importante. A grande maioria dos idosos infelizmente acabam se isolando dos amigos quando se aposentam, o adágio popular “vestir o pijama” literalmente condena a maioria dos idosos ao enclausuramento dentro de suas próprias casas, e os amigos, que antes eram companheiros de trabalho, se vêem
dispersos, porque trabalho não existe mais. Tal experiência é muito doida, muito triste para quem só queria, como qualquer outro indivíduo, ter amigos.

Obviamente não podemos desconsiderar a existência e crescimento dos clubes da terceira idade espalhados no Brasil e na cidade de Campina Grande, cujo objetivo principal é a promoção do processo de ressocialização do idoso à sociedade, no entanto e entrementes, é notória ainda a ínfima participação dos idosos nessas agremiações; poucos tem recursos financeiros para garantirem as despesas que tal participação exige, então o “vestir o pijama” e o valer-se da companhia apenas dos familiares, ainda é uma constante entre os idosos em nosso país, de maneira geral e entre nossos informantes, de maneira particular.
Outra informante, com muita tristeza e melancolia, nos cedeu o seguinte depoimento:

A minha vida, minhas atividades; eu me sentia viva e hoje eu estou parada no tempo; não me conformo com isso. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)

Outros informantes, por sua vez, ao serem solicitados a informar sobre o que perderam com a aposentadoria, pensaram o termo perda aliando-o a perda financeira, particularmente salarial;

Eu perdi muita coisa, olha, eu ganhava sete salários e meio era para ta ganhando esses sete salários e meio e disseram que eu não tinha direito, porque disseram que era só noventa e cinco por cento. E hoje ta com essa defasagem. É horrível. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


É justamente o que eu tô tentando cobrir: aquele dinheiro que eu tava ganhando depois de me aposentar, que eu tava
trabalhando no Targino, eu tô querendo cobrir justamente com essa lan house. Não estou conseguindo por falta de capital de giro para investir que o ponto é muito bom. Porque logo no inicio da lan house, foi muito bom. Dava uma diária muito boa, mas depois que foi instalando outras que era novidade no bairro chegou a ter umas sete ou oito, dividiu. Ai não voltou mais aquele faturamento que a gente fazia caiu bastante. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)

Já outros informantes, mesmo pensando ao modo dos informantes acima descritos, o termo perda à diminuição salarial, afirmaram nada ter perdido com a aposentadoria. Ao contrário, ganharam com a sua chegada;



Perdi nada não, graças a Deus. Só ganhei, porque não tinha dinheiro certo. Agora tenho, pouco mas tenho. Pra um remédio, mesmo que a riqueza que Deus me deu foi saúde. Não tomo remédio de jeito nenhum. Peguei na máquina com catorze anos de idade, quando minha mãe me colocou na máquina, sempre
trabalhei, e sempre tive muita saúde. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Nada... Perdi nada não só ganhei tempo. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Nada, não perdi nada, só ganhei. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Uma das evidências presentes no cotidiano dos aposentados é o de serem mantenedores da família. É comum o salário do aposentado ajudar, além do próprio sustento de seu grupo familiar; a netos, filhos desempregados, noras etc. E tal fato, provoca um forte abalo nas finanças dos idosos que com a própria chegada da velhice, vê também chegar à doença e a rotina de médicos, hospitais e remédios.

Com os deveres de casa e, às vezes ajudo meus filhos também, mesmo eles casados nas casas deles, mas eu ajudo e ajudo com prazer. O que eu tenho dá pra mim e sobra um pouco, por que nunca sobrava, mas a gente já era acostumado a ganhar micharia, então agora dá pra mim que sobra. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Comida. Com a alimentação, que não é brincadeira não. E a gente tem que apoiar a família, tem um genro que está desempregado e eu tenho que apoiar. Estou dando o sustento a eles. Mas ai aumentou a despesa. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Um salário eu gasto com remédio e com consulta médica e o outro é pra comprar alguma roupa, os filhos já tão tudo criado, só tem esse neto que eu ajudo, ele trabalha, mas eu ainda
preciso dar uma ajudinha a ele. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


O que pudemos observar a partir das falas de nossos depoentes é que a aposentadoria não é bem o momento de descanso e tranqüilidade para o idoso; pois

mesmo não trabalhando, as preocupações em torno da manutenção da família, nuclear e extensa continuam, a ponto de não restar nada ou quase nada para o lazer, o entretenimento, os passeios e visitas oferecidas pelos clubes da melhor idade;

Gasto meu dinheiro com feira, com o carro e com as despesas que tem de casa, do terreno lá... as despesas de roçado, lá do campo; é essas despesas que eu tenho. E o resto com feira e as coisas de casa, as coisas que tem que ter. (Entrevista com informante nº 3, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)

Só com a comida mesmo, luz água. O ganho é pouco. Não é muito. Quando a gente tem um salário grande, mas o ganho é pouco. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Com a alimentação. E fraco. Não da para se alimentar do jeito que agente quer não. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Com minhas coisas que eu quero comprar, comida, uma feirinha, água e luz, telefone, essas obrigações. Graças a Deus, é com meu suor, né? (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Com as despesas de casa; só é pra o que dá mesmo. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Indagar das pessoas se estas se sentem realizadas é uma questão bastante contundente; quantas vezes já perguntamos a nós mesmos se somos realmente felizes, se nossos sonhos, desejos, projetos de vida se concretizaram... imagine o impacto que uma questão dessa não tem na mente de um idoso, que sabe do sentimento de finitude que o acompanha, que sente a urgência em transformar, redefinir, rever sua vida, ações, projetos enquanto ainda há tempo, já que a morte se avizinha.
Assim, consciente desses sentimentos, perguntamos a nossos informantes se eles se sentiam pessoas realizadas e recebemos discursos que se apóiam na idéia do “dever cumprido”, especialmente no mundo do trabalho; a frase: “fiz o que tinha que fazer”, atravessou boa parte dos discursos como se não restasse mais nada a ser feito, pois


o futuro parece ter se tornado algo longínquo, e portanto, inatingível, como demonstram as narrativas abaixo transcritas:

Me sinto realizado. Eu estou mais para lá do que para cá, já estou com setenta anos, nunca tive abuso com nada, nunca ninguém me abusou. A vida sempre foi alegre, desde o tempo de novo e por isso eu me sinto realizado. Nunca encontrei ninguém para me abusar não. Nem a mulher lá em casa. A mulher só basta eu olhar para ela e perguntar: “minha velha, você esta com raiva? Pois eu vou embora!” ela tem sessenta e cinco anos, parece uma jovem. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)

Eu me sinto uma pessoa realizada, por que eu comecei a vida em situação difícil, como eu lhe disse, e hoje estou aposentado, minha esposa tá aposentada, meus filhos casados, todos por conta deles, nas casas deles. O meu ganho dá pra eu viver. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Me sinto. O que eu tinha de fazer já fiz! Hoje eu não faço mais nada. Vivi tudo o que tinha pra viver. Hoje eu posso morrer a qualquer hora. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


É cumpri né, meu tempo de serviço, fiz o que tinha que fazer, e num é melhor porque tenho seqüelas dessas cirurgias mas, me sinto sim. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Tudo que eu tinha de fazer eu já fiz. Eu disse no dia que eu me aposentei. Eu sempre dizia nas minhas atividades, quando eu recebia um serviço pra fazer. Eu chegava e diziam: você vai pra tal canto preparar vinte, trinta hectares de terra ou fazer uma viagem pra qualquer parte... aí quando eu parava o caminhão ou o trator dizia assim: “muito obrigado, Senhor, mais uma missão cumprida”; e hoje, a minha missão eu cumpri, completa. De trabalho eu cumpri a minha missão, como empregado; mas continua o outro lado das minhas atividades particulares. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Outros informantes se detiveram a pensar mais nas conquistas do passado do que na falta de perspectivas para o futuro; assim os seus discursos buscaram positivar suas
vidas e suas passagens no espaço do mundo do trabalho e das relações sociais como um todo:


Eu me sinto porque tenho uma família que se sente muito integrada. Que se respeita muito. Aqui é um amor completo,


igual. Tanto eu com a mulher como os meninos entre si. Não brigam não discutem, nenhum fuma, nenhum bebe. São cinco filhos que me respeitam. Todos tomam a benção e os netos seguem a mesma coisa, me respeitam como se eu fosse o pai deles. Então essa moral que eu procurei dar eu estou mantendo, isso ai é uma realização. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Demais até. Porque, graças a Deus, todo mundo gosta de mim, eu gosto de todo mundo. Tenho meu pão de cada dia certo, tenho meu ranchinho pra morar. Tá bom demais, a vida é essa. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Destacamos também dois depoimentos, bastante breves, mas que demonstram uma profunda tristeza ou mesmo sentimento de frustração pela não realização dos sonhos projetados:

Eu sou realizada, né? Mais ou menos. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)

Mais ou menos. Porque eu tinha muitos sonhos pra realizar não consegui. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Sentir-se ou não realizado, aproveitar ou não a aposentadoria naturalmente é uma questão de ponto de vista e necessita ser relativizado, pois na vida não há apenas um ponto de vista, mas vários, não há apenas um modelo, mas diversos. E a saúde metal inclusive, tem como condição não à satisfação de determinado ponto de vista, mas como esta satisfação promove o equilíbrio bio-psíquico do indivíduo.
Viver a experiência da aposentadoria acaba sendo um momento especial na vida do idoso, por vários motivos, primeiro, porque ela é uma fase bastante idealizada na mente do trabalhador; como vimos alhures, a aposentadoria aparece como a grande oportunidade de liberdade de anos de trabalho e o momento em que finalmente,
pode-se gozar a vida com toda regalia e fartura, de tempo, de dinheiro, de lazer, de felicidade...a realidade está bem distante desse modelo idealizado pela cultura.
Mas tal modelo ordenador acaba por criar “tipos ou jeitos ideais” de se viver à aposentadoria, modelos a serem seguidos como padrões corretos a serem buscados. Então ficamos pensando como deve ser frustrante ao idoso, de baixo poder aquisitivo, não poder participar de grupos de terceira idade e suas viagens e programações diversificadas, for falta de condições financeiras; como deve ser frustrante chegar às férias dos filhos, netos e não poder viajar para visitá-los por falta de recursos; situações como estas, tão comuns no cotidiano do aposentado, vão criando uma série de distúrbios psicológicos que o levam a frustrar-se profundamente com a sua realidade de vida, gerando um estado latente ou corriqueiro de depressão e outras doenças psicossomáticas.
Com vistas a detectar estados de satisfação/insatisfação do idoso com a sua realidade de vida indagamos de nossos informantes se eles admiram algum outro idoso pela forma como estes “aproveitam” a sua aposentadoria;

Eu admiro, inclusive a minha esposa por que ela já é aposentada e tá “na ativa” e faz parte de uma ONG que ela é a presidente, que foi organizada por ela e ela se sente bem, tem diversas pessoas que completam com ela essa ONG, inclusive gente da Embrapa mesmo. E ela é aposentada e tá “na ativa” trabalhando pela prefeitura e presidente da ONG. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Maria José, minha colega do Recife. Ela eu admiro. Porque ela viaja muito, vai nesses grupos de terceira idade, só vive nesses cantos. Mas eu não gosto dessas coisas, quem quiser fazer que faça, mas eu não gosto. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Admiro. Lá perto lá de casa tem um camarada advogado e ele goza de sua vida do jeito que quer e pra ele é bom demais, ele pega um sax e começa a tocar e para mim é lindo. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Pessoas amigas né. Seu Manoel! Graças a Deus o sofrimento que ele passou com esses caminhões por ai nas serras. Ele se aposentou, fez o sitiozinho. Eu também gostaria de viver lá no sitio, seria muito mais econômico. A mulher também não aceita, e meu sitio não é lá essas coisas todas. É um sitio no cariri, muito seco. Mas eu admiro seu Manoel. Eu gostaria de adquirir um sitio bom na região do brejo uma granja. Os meninos estão
se formando, quem sabe. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho) (Sr. Manoel é o nosso pai)


Eu conheço, tem um irmão ali que vive uma vida muito boa. É aposentado, ele e a mulher são muito unidos. Eu admiro essas pessoas assim. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


Admirar a esposa que não se acomodou a vida sedentária de ser aposentado, quem participa de grupos de terceira idade, quem faz o que quer, como o aposentado que passa o dia tocando sax, quem comprou uma terrinha e continua a ocupar o seu tempo e quem é um casal unido, são exemplos que refletem estados de produções desejantes desses informantes e que surgem como uma vontade de serem e terem tudo isso, mas se vêem compelidos à realização desses sonhos.
Certamente entre estes informantes o sentimento de castração, frustração é bastante presente, pois ao não poderem realizar sonhos, projetos de vida, se vêem como alguém destituído de direitos, excluídos do acesso à plena realização de seus sonhos.
Outros informantes preferem não citar nomes, mas constroem igualmente um quadro idealizado de desejos ou de modelos de viver e do qual eles não se sentem, mesmo que não o afirmem tacitamente, pertencentes;

É. Têm muitos que aproveitam bem, né? Que aproveitam pra passear, pra se vestir bem, pra se alimentar bem. E muitos recebem somente pra gastar, beber cachaça, jogar fora. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Os que eu conheço, que se aposentaram diferente, é que tem uns que se aposentaram e se acomodaram, não fazem nada, quando a gente encontra na rua ou no sítio, aonde for é somente deitado ou então passeando, andando pela rua pra lá e pra cá; poucas pessoas se aposentam e dizem assim: “eu vou cuidar de qualquer atividade daqui pra frente”, a maioria relaxa logo e vai esperar pela morte (risos). (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)

Eu acho que a pessoa deve aproveitar, tem que viver. Não admiro ninguém não, mas eu acho isso. A pessoa tem que aproveitar alguma coisa na vida. Quem não quiser é porque é
morto de espírito. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Ao serem indagados a terem que responder objetivamente se são mais felizes hoje do que quando estavam na ativa, recebemos depoimentos bem interessantes:

Não, eu acho que hoje tá melhor. O tanto que eu andei e o tanto que eu trabalhei, eu acho que não dava mais não. O único trabalho que eu sinto saudade ainda é de vaqueiro; botar a sela num cavalo e dar uma carreira no mato, isso aí se eu pudesse, eu ainda fazia; mas pior que agora não dá pra fazer mais não


(risos). Semana passada eu tava lá no Brito (nome de seu sítio), e escutando lá na fazenda o pessoal gritando com o gado, aí eu disse: “aquilo é o pessoal que tá vacinando o gado ali”, se fosse no meu tempo, eu tava lá; aí quando foi de tarde eu fui lá na fazenda, que eu fui olhar lá umas cabras, cheguei lá Dr. Paulo (antigo patrão) ia saindo pra João Pessoa, aí ele disse: “tu não escutasse o barulho aqui?”, eu disse: “escutei e disse que só não vinha por que não tenho condição mais não. Hoje eu não agüento fazer mais o que eu fazia”, ele disse: “e tá assim?” (risos) e eu disse: “já há muito tempo”. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)

Trabalhar parece ter sido uma experiência bastante cansativa para este informante, no entanto, certas atividades ficaram em sua lembrança como um momento vivido de forma muito prazerosa e este sentimento serve para dar vazão ao campo da saudade, da nostalgia, do vivido, como boa recordação. Consciente de suas limitações físicas se lembra do passado como uma etapa da vida e não como frustração.
Para outros informantes o bom salário adquirido com a aposentadoria é sinal de felicidade;
Ai eu sou mais feliz agora. Hoje eu tenho o meu salário melhor, da pra mim conviver, graças a Deus. E quando eu trabalhava ganhava bem, mas gastava muito. Por todo canto a gente gasta não é? Mas aqui eu só gasto em casa, ai tá dando, graças a Deus ta dando. E vai dar se Deus quiser. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)

Sou mais feliz agora, toda a vida eu fui feliz, graças a Deus. Tanto trabalhando como não. Sempre tive saúde, paz e uma família muito unida, graças a Deus. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Ter para onde ir, conviver e conversar com as outras pessoas, “sair para ver o mundo”, são ingredientes de felicidade apontados pela informante abaixo descrita, felicidade esta não vivida mais com a chegada da aposentadoria;

Por uma parte agora, por outra antes. Porque era mais animada, tinha minhas freguesas que a gente conversava. Passava o dia
na casa delas, tinha com quem conversar e elas me deixavam em casa depois. Era difícil eu costurar em casa. Era mais fora. Saia seis da manha e chegava seis da noite. Minhas filhas tudo em casa e eu trabalhando, só chegava à noite. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Apertos financeiros e problemas de saúde foram situações destacas por alguns informantes para diminuição da alegria sentida com a chegada da aposentadoria;

É no momento, nesse momento a gente tá passando uma fase difícil, porque tem uma família para ajudar ai à situação tá apertada. Minha mulher mesmo diz; no tempo que você estava trabalhando era muito melhor. É claro que era, mas também essa família não estava aqui. Eu trabalhava no João Ribeiro, trabalhava no Targino, na santa clara então eram três empregos
ai a gente levava uma vida muito mais folgada, não era? Agora também não tinha carro nessa época, transporte era ônibus. Então era despesa a menos. Mas a gente espera voltar. É aperto, mas feliz a gente vive. Eu só me sentiria infeliz se os meninos não vivessem bem. Brigassem um com o outro, ai complicava. Se houvesse desarmonia na família. Mas graças a Deus a harmonia é muito boa e a gente se sente feliz mesmo nesse aperto que ta passando. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Não. Quando eu trabalhava, eu era mais nova, né? E agora já estou com sessenta e cinco anos, cheia de problemas de saúde. Eu tenho uma vida muito boa, mas eu perco assim na parte de saúde. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)



Só uma de nossas informantes afirmou tacitamente que quando trabalhava era mais feliz, pois se sentia mais útil e com a vida preenchida pelo trabalho;

Como eu já disse, eu me sentia mais viva em plena atividade. Ah minha filha, eu me sentia mais útil. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)

A espera pela chegada da aposentadoria é momento de muita expectativa para o trabalhador; adquirir o estatuto de ex-trabalhador é motivo de muita alegria. No entanto, como estamos observando ao longo dessa monografia, baseadas nos dados de nossos informantes, há um certo sentimento de frustração com tão esperada fase da vida. No sentido de buscarmos descobrir as raízes dessa frustração, perguntamos a nossos informantes o que eles gostariam que a aposentadoria lhes permitisse realizar e com o que eles sonham; coletamos os depoimentos que demonstram um sentimento de muita
tristeza e falta de perspectivas para com o futuro; ou seja, uma total ausência de sonhos, e como viver sem sonhar? O que se espera é o fim:

Eu acho que eu não tenho nada pra fazer não. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Nada mais. Não quero mais nada. Eu não gosto de viajar, gosto de estar em casa. Faz tantos anos que fui a recife, minha família mora lá, mas faz tempo que fui. Pra mim a viajem já é dura. Homem é uma coisa e mulher é outra, pode viajar mais do que a mulher. Meu irmão não veio me visitar mais, pedi muito a ele, mas homem é uma coisa muito deslembrada. Só somos nós dois, acabaram-se tudo. A coisa pior que achei na minha vida foi viver só. Quando temos filho é bom, um grita, outro chora. Hoje eu vivo só. Durmo na casa de uma pessoa porque não é bom dormir só, mas vou à força. Às vezes nem sonho mais. Não quero mais nada minha filha. Quero viver os dias que Deus quiser com o que tenho. Não tenho mais futuro. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Só pegar o dinheiro e gastar, todo mês. Não sonho com nada, trabalho com jogo do bicho, mas nem com ele eu sonho. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Não. Não tenho mais sonho nenhum. Meu sonho é ir ver meus netos, meus filhos; e pra mim isso é muito bom. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)

Outros informantes já apontam alguns devaneios, alguns planos futuros relacionados à caridade e a melhoria na qualidade de vida;

Eu sonho, assim, com umas coisas, mas eu acho que eu não tenho a coragem, mas seria muito bom se eu tivesse, pra realizar o que o sonho. De fundar alguma coisa, assim, não tem essas pessoas que fundam creches, qualquer coisa em prol dos outros; eu tenho essa vontade, assim, mas eu acho que pra isso tem que ter a condição. Porque, por enquanto, eu só faço alguma coisa só quando os meninos se empregarem; e eu fico pensando que quando eles tiverem a vida deles, de eu fazer alguma coisa, né? Mas eu penso o quê que eu vou fazer. Eu já pensei tanto nisso
(risos). (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)
Ajeitar a casa, o transporte, ajudar os filhos, ter uma reserva para cuidar da saúde, melhorar a alimentação. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Outro informante ainda sonha mesmo aposentado, em encontrar um novo emprego; o seu discurso é aparentemente contraditório, mas na verdade é repleto de um forte sentimento de desejo de voltar à ativa como forma de preencher a vida;

Não, como minha aposentadoria eu me sinto bem, mas se caso aparecesse um trabalho pra eu fazer, pra ganhar ao menos o tanto da aposentadoria ou menos um pouco, eu aceitaria, mas eu
me sinto bem na aposentadoria. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)

Já outra aposentada manifesta o sonho de viajar, de poder aproveitar mais a sua vida, que não tem sido possível, em decorrência do baixo salário de sua aposentadoria;

Queria o suficiente pra quando eu quisesse viajar, poder sair, porque atualmente só ta dando mesmo para as despesas e às vezes. Eu sonho com paz e tranqüilidade. Um lugar melhorzinho para a gente viver menos preocupado. Sem tanta maldade. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Para tornar um sonho realidade o aposentado tem que ter as condições mínimas para arcar com o preço de tais sonhos, seja em termos financeiros, seja em termos de apoio moral e psicológico. Assim, o sonho sem as condições concretas para sua efetivação fica restrito ao campo dos planos e não se torna realidade.
Ao indagarmos de nossos informantes sobre as condições de vida do aposentado no Brasil, recebemos respostas bastante elucidativas sobre a “real” situação do aposentado:

A diferença que tem é que o aposentado, agora é que eu “tô” notando, que a gente quando se aposenta, tem que botar na cabeça de que agora eu “tô aposentado”, agora eu só tenho isso. Quando a gente tá na ativa, além daquele salário fixo, a gente tem uma hora extra, trabalha com uma coisa, trabalha com outra, diária, essas coisas, eu nunca ganhei aquele salário fixo, sempre vem às férias, vem décimo terceiro, vem vale-refeição, tudo complementa o salário, mas quando a gente se aposenta aí
fica só naquilo, o que eu “tô” sentindo é isso. Muitas vezes eu ainda fico pensando que ta como naquele tempo, que vai ter “tanto” de diária, disso ou daquilo, mas agora não tem mais não, é uma coisa só. Muda muito da pessoa “na ativa” pra o aposentado; antes de me aposentar tinha aqueles colegas, pesquisadores que eu conhecia, assim, “cuidado quando for se aposentar, porque a mudança vai ser grande”, e muitas pessoas diziam. Do lado financeiro tem desvantagem. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


É uma tristeza! Agora não é porque se aposentar tenha alguma coisa não. É porque os homens de gravata lá dentro, os que mandam a gente se aposentar, luta, paga tanta coisa na vida para poder se aposentar e depois eles tomam. Isso é imoral. Toma na marra. Agora mesmo entrei na justiça há poucos dias porque mandaram uma laminha pra tapiar, pouquinho pra tapiar. Que eu não queria, eu queria receber meu ordenado como eu paguei, os meus direitos eu paguei para receber cinco salários e meio, na época eu paguei sete salários e meio, perdi dois ai fiquei recebendo cinco e meio e hoje se muito for, da dois e meio. Ai é dose viu! Eu entrei na justiça ai e ainda ta tramitando o processo. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


É um povo excluído, trabalha tanto pra ficar humilhado, com um salário do tamanho de nada e passar necessidade, que é o que passam mesmo. Depois da aposentadoria piora, piora muito. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Para outros informantes, o ato de aposentar-se é, pelo menos, uma grande garantia de um salário certo, todo final de mês:

Eu acho bom. Porque quem não trabalha mais tem seu dinheirinho certo é bom porque a pessoa depois de velho não pode mais trabalhar e tem aquele segurozinho que é pouco, mas serve. O Brasil trata bem, porque agente não tinha esse
dinheirinho e hoje tem quem é aposentado tem a sua raçãozinha certa. É muito bom. Se a gente trabalhar a gente tem, se não
trabalhar agente tem. Pior era quando agente só tinha se trabalhasse com a idade agente acaba ficando mais cansada, a gente ganhando sem trabalhar é outra coisa. Eu trabalhei muito, essa rua grande aqui onde mora o doutor Roberto Pinto é longe, trabalhei muito na casa dele, nessas casas grandes de doutor e de tudo. Eles vinham me buscar aqui. Lá já tinha máquina pra eu costurar. Costurei nove anos lá na casa de doutor Roberto


Pinto. Não é a toa que os carros por aqui eram todo dia, um dia numa casa, um dia em outra, outro dia em outra. Vinham me
buscar aqui na porta. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Bom demais. Porque antigamente os velhinhos chegavam à velhice e não tinha o que fazer. Nem trabalhar nem fazer nada, porque quando chega uma certa idade não pode mais trabalhar, fazia o que? Passava necessidade. E hoje, graças a Deus, a
pessoa tem. Pouco mais tem. Tem seu salário. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Descrever e analisar a complexa condição de ser e estar aposentado, em todas as suas nuances, é um exercício extremamente complexo e certamente impossível de ser realizado no espaço dessa monografia.
Por ora o que conseguimos detectar é a existência de toda uma idealização em torno da aposentadoria e a sua real condição. Ao que tudo indica, raros são os casos em que o trabalhador se prepara para viver essa nova fase da vida; ela chega abruptamente e o idoso, por sua vez, cria toda uma expectativa em torno da liberdade promovida por essa nova situação e, sem querer, torna-se prisioneiro dentro de sua própria casa, porque seus passos não o conduzem mais ao destino do trabalho; mas a caminhos indefinidos e incertos. Sem referentes e sem objetivos, sem metas a cumprir, se fortalecem os sentimentos de inutilidade, frustração, melancolia e solidão.
É importante destacar que a cultura brasileira não destina ao idoso, seja ele aposentado ou não, um lugar, um espaço de identificação. Sem referente, o sentimento de perda supera qualquer outro sentimento e sem pertencimentos, o idoso se entrega ao próprio ostracismo criado para ele.
O ser e o estar aposentado deveria ser, segundo os discursos de nossos informantes, uma fase da vida na qual ao agora ex-trabalhador fosse dada às condições
para viver em toda sua plenitude, os resultados de uma vida de trabalho: poder viajar, conhecer lugares, descansar bastante, perceber um salário que garanta a manutenção do
idoso e de seus parentes; enfim, uma situação tal que permita ao idoso viver a sua completa autonomia.
No mundo “real” as coisas não são bem assim; o aposentado pode até sonhar com tudo isso, mas dificilmente vai poder realizar tais planos, por uma série de dificuldades que vão desde questões econômicas a questões de falta de apoio e sobretudo, de respeito, de uma cultura que ainda não resolveu totalmente pensar no
idoso como tendo um lugar que deve ser garantido e preservado como um direito legítimo.


III CAPÍTULO: PRÁTICAS DE SOCIABILIDADES E O “LUGAR” DO APOSENTADO NA SOCIEDADE CAMPINENSE

Como vive o aposentado? Como ocupa o seu tempo, já que, finalmente, encontra-se livre do trabalho, do relógio-de-ponto, do cumprimento das horas de trabalho? Como é a sua vida de aposentado? E principalmente, qual é o seu lugar na cidade de Campina Grande?
Se a aposentadoria é o não-trabalho e se o não-trabalho significa folgar, lazer e entretenimento, como o aposentado em Campina Grande se diverte? Quais são as suas práticas de sociabilidades? Estas são algumas das questões que pretendemos responder neste capítulo.
Na busca de detectar as formas de ocupação do tempo dos nossos informantes aposentados e de igualmente descobrir as suas formas de entretenimento, indagamos deles se gostam de assistir televisão, se ouvem rádio, se lêem jornais e/ou se conversam com os amigos com regularidade. As respostas obtidas se dirigiram a privilegiar a conversa entre parentes e amigos como a forma principal de entretenimento, assistir televisão vem em seguida, ouvir rádio foi opção de poucos e ler, só informante destacou tal hábito;

Assistir televisão e conversar com os parentes, com as pessoas próximas, contar o que eu já fiz. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Um detalhe interessante na última fala de nosso informante é o destaque dado à importância de narrar experiências vividas; “contar o que fez” representa a expressão de uma vida vivida, que deveria servir como exemplo de maturidade, experiência, ensinamento, quem sabe para as futuras gerações de filhos, netos e/ou bisnetos.
No entanto, vivendo em uma sociedade na qual tão pouco se valoriza o saber do idoso, sua fala pouca audiência tem, sua experiência muito pouco serve de modelo para as gerações mais jovens, porque pouco se escuta o idoso, parece que ele não tem o que dizer, e o que diz, parece que não interessa para ser aplicado. Afinal, o que se quer consumir não são os exemplos de um passado, muitas vezes pensado como ultrapassado ou sem sentido, mas o presente vivo, sedutor e desejante. Assim a voz do velho e sua experiência é desconsiderada por representar, sobretudo, o vivido, pois o que interessa é o devir, o que está por vir, não o já vivido.
Outros informantes assim se pronunciaram:

De televisão eu não gosto não, mas gosto de conversar com as amigas, a gente viver só é muito ruim. Gosto de ouvir os conselhos de muitos que são instruídos na fé. Pra servir a Deus é preciso ter muito ensinamento, muito conhecimento. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


Conversar com os amigos eu adoro. Ver televisão e ler também, agora ouvir rádio eu não tenho mais paciência não. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Só não gosto de novela, mas ver televisão eu gosto. É comigo mesma, ouvir rádio, ver televisão. E conversar é comigo mesma. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)

Gosto. Assistir jogo de futebol, assistir um jornal. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)

Só o jornal, não perco um jornal, já sei de cor, tem dia que eu assisto uns três ou quatro. E assisto a Canção Nova também, gosto muito. Novela eu detesto, não agüento nem ouvir o som
da novela. Nem novela nem filme. Se for um filme bom, assim, se for desses de selva, de animais, eu gosto. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Às vezes nem ligo o rádio. A televisão quando eu termino a luta eu assisto. Porque eu faço minhas coisas sozinha. De manha eu ligo a TV de lá da cozinha ai assisto um pouco. Não sei que tempo liguei esse som. Não gosto. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Eu gosto de assistir muito futebol, noticiário, humorismo é Chaves, filme mesmo é difícil à gente não dormir. Mas futebol eu gosto muito e noticiário. Globo rural, porque ta mostrando a zona rural, a natureza. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Assistir televisão foi citado pela grande maioria dos informantes como uma forma de ocupação de seu tempo; e tal constatação, só vem a reforçar o que já é notório nas sociedades modernas em geral e em nossa sociedade, em particular: o forte apelo a midiatização da cultura. Vivemos na chamada era informacional e tecnológica, a interação face a face [1], ou seja a conversa entre pessoas, cada vez entra mais em declínio, vivemos sob o império das interações virtuais, das salas de bate-papo virtuais, chats, [2] do mundo virtual. Nesse ambiente do ciberespaço a grande maioria dos idosos se sentem totalmente deslocados e assim resta pouco espaço para o diálogo com a criança, o jovem ou até mesmo com o adulto, ou seja, com os bisnetos, netos ou filhos, pois estes estão ocupados no trabalho ou no ciberespaço; se não for entre seus pares, o idoso quase não tem mais com quem dialogar.
Insistimos na pergunta a nossos informantes sobre o que fazem para se divertir e ocuparem o seu tempo livre, e como resposta, coletamos narrativas bem interessantes que destacam certas atividades como adequadas e destinadas ao idoso, tais como: ir a missa, brincar com os netos, participar de grupos de terceira idade etc. Mas a aqueles “espaços de fuga”, no qual certas atividades, mesmo não sendo consideradas adequadas para o idoso acabam sendo executadas, como beber e ir para o forró dançar;

Primeiro tem nos fins de semana quando a gente vai pra missa, (risos) e depois tomar uma “birita” mesmo, tomar uma no dia que pode e (pausa) fazer nada mais não. Sim... e com os netos. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Só o grupo de terceira idade mesmo. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)

Vou para o forró dançar. Vou para o médico, e a esposa fica em casa dormindo. Ela gosta de dormir. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Só tem igreja mesmo, de vez em quando vou nessas festas de casamento. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Fazemos parte da igreja, na pastoral do batismo. Para as reuniões na terça feira, o batismo no terceiro domingo. Fazemos reuniões nas casas. E ali somos convidados a participar do ECC, para dar um testemunho de vida, de convivência, de família, como a gente conseguiu viver quase quarenta anos, e lá nós damos testemunho para aqueles casais. Viajar, não tem condições, mas eu gostaria de poder viajar mais para ir a João Pessoa ou para o sítio que temos perto de monteiro, mas as condições não dá. Era um lazer que eu queria ter era viajar. Conhecer pelo menos o nosso Estado que é tão pequeno e tem tanta beleza por aí que a gente não conhece. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Só a igreja mesmo, vou um dia sim outro não; é aqui perto, ali em cima. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


Ver televisão, ler, e, para nossa surpresa, um idoso destacou que conecta a Internet, foram outras formas de divertimento apontadas por outros aposentados.

Na Internet e lendo. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)

Quando eu não tenho o que fazer estou assistindo televisão ou lendo um livro, alguma coisa. Tô me entretendo assim mesmo. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Já outra informante é enfática ao afirmar que, para ela, se divertir é

Andar, passear e conversar. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Já outro, é a pura expressão da solidão:

Me divirto com o meu violão. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Alda Britto da Motta, em seu artigo: “Sociabilidades possíveis: idosos e tempo geracional” nos ensina que

Um fenômeno próprio da sociedade atual é o encontro de pessoas idosas em grupos organizados, de variadas propostas, desenvolvendo uma sociabilidade marcadamente intrageracional. É conhecido que, tradicionalmente, paralelo a uma clara marginalização social dos mais velhos depois da aposentadoria e?ou dos filhos (e sobrinhos..) criados, alguns idosos sempre buscaram formas de encontro geracional ou de atividade extrafamília – principalmente homens em conversas nas praças públicas e mulheres em “trabalhos” ou apoios a rituais da Igreja Católica. Mas uma minoria. O desenvolvimento de uma sociabilidade extrafamilial sistemática, em grupos organizados, é, realmente, uma tendência recente, e crescente. (MOTTA, 2004, p. 109)


Como se constroem os laços de sociabilidade entre os idosos? Que ambientes freqüentam com vistas a estreitar esses laços de sociabilidade? Eles fazem novos amigos? Onde e como? E quanto às antigas amizades construídas no espaço do trabalho? Elas perduram até hoje? Ou se perderam junto com a chegada da aposentadoria? Para responder a essas questões, indagamos de nossos informantes se eles costumam se encontrar com antigos amigos de seu trabalho:

Costumo, e quando encontro, gosto, me sinto bem. Às vezes eu vou em festas da Embrapa, e encontro meus colegas de trabalho me sinto bem. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Sempre me encontro com eles. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Sempre encontro né, com amigos do trabalho, mas muito não. Só de vez em quando mesmo. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)






Não constantemente, mas sempre vou visitar meus colegas na FAP, no João XXIII, e às vezes encontra com colegas também, bate papo com eles, como eles estão indo. Mas já estão
aposentados também. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Mesmo afirmando se encontrarem com antigos amigos do trabalho, o que observamos nas falas acima descritas, é que tais encontros são intermitentes e bastante raros, o que leva-nos a refletir sobre o estado de isolamento dos nossos informantes e das mínimas, e até mesmo insuficientes, condições de sociabilidade; elas praticamente não existem. Outros informantes se aproximaram mais desta realidade por nós aventada:

Não. Eu não saio de casa. Se alguém vier por aqui bem, se não vir (pausa) eu só vou na casa dos filhos uma vez na semana quando posso ir, quando eles vem me buscar eu vou. Quando não vem eu não vou. Tenho um filho que mora tão longe que eu não vou nem lá só se vier me buscar. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)



As únicas, são duas. Duas colegas que a gente ainda se encontra de vez em quando. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Aqui! Na época eu jogava futebol, ai aqueles cabras que jogavam comigo na época vem tudinho. Ficam tudinho aqui, agente tem uma relação assim; cada um tem o telefone um do outro. De vez enquanto a gente telefona, as vezes um ta doente ai se juntam todos e vamos todos na casa daquele. E a mesma coisa aqui, de vez enquanto ta todo mundo aqui. Eu tenho o telefone de todos e todos têm o meu telefone. Foram os caras que trabalharam comigo na época ai hoje eles tem aquela consideração a mim não é! Tem uns que eram jogadores e na época eu fui técnico de futebol ai eles todos ficaram amigos e nós somos amigos até morrer. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Quando se encontra, cada qual que tenha uma coisa pra dizer, quase tudo isso mesmo que eu “tô” dizendo; tem aqueles que são mais seguros que ficam às vezes contando pabulagem, mas eu vejo mais deles chorando do que... (risos). (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)




Não. Eu gosto muito é de ler revistas, gosto muito de ler a bíblia, ler revista da bíblia. Mas eu encontro às vezes, aqui onde
eu moro tem três amigas, vai uma pra casa uma da outra conversar um pouco. Um dia desses, eu vi uma que eu nem conhecia mais, mas ela ficou muito contente. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


Raramente. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


O estado de isolamento, enclausuramento e reprodução da vida privada, em oposição à vida pública e a ocupação desse espaço, parece ser a realidade de todos os nossos informantes.
A aposentadoria trás consigo, paradoxalmente, uma situação de isolamento e uma sensação de solidão bastante impactante no cotidiano do aposentado. Não bastasse ficar sem emprego, perdem-se também os amigos, que já eram poucos, agora se reduz a quase nada e quando muito, a encontros fugazes e altamente intermitentes.
Esse estado de isolamento faz com que o aposentado se feche cada vez mais dentro de si mesmo; que se isole, e se negue a sair e ocupar o espaço público.
Arriscamos em afirmar que o aposentado, em sua grande maioria, se torna prisioneiro dentro de sua própria casa, quando muito, se tiver, ele tem ao cônjuge para dividir as suas alegrias e desejos; tristezas e angústias. Na maioria das vezes encontra-se na mão de cuidadores cujo nível de paciência para escuta, também é bastante limitado.
Numa sociedade que valoriza cada vez mais a imagem, em detrimento do discurso, o idoso não encontra espaço para falar e para se fazer ouvir, recolhe-se ao silêncio e se esquece que para existir relação e laços de sociabilidade, é preciso, pelo menos, duas pessoas.
Cabe-nos agora indagar qual a saúde mental do idoso diante desse quadro, até então apresentado, e como propor alternativas/saídas, “espaços de fuga” para libertar o idoso de suas opressões reais e imaginárias? Este é o tema de nosso próximo capítulo.







IV CAPÍTULO: ASPECTOS PSICOLÓGICOS E SAÚDE MENTAL DOS APOSENTADOS


Todo processo de mudança exige um tempo de acomodação, realinhamento, redefinição; toda mudança necessita de uma reflexão sobre o antes e o depois, sobre o “daqui pra frente”, sobre o “que fazer” a partir de então.
Certamente com o aposentado não foi diferente. Este se viu na obrigação de também ter que readaptar sua vida, seu tempo, seu espaço, em uma nova situação, aqui grosseiramente intitulada de pós-trabalho. O que fazer com a chegada da aposentadoria? Como lidar com o novo status de aposentado?
Ficamos a imaginar o grau de conflito e de stress que essa fase da vida carrega na mente do aposentado. Quais as suas expectativas e medos dessa nova, curiosa, tão esperada e tão pouco respeitada, fase da vida.
A aposentadoria por tempo de serviço, inexoravelmente, vem junto com a chegada da velhice, e o ser e estar velho, é outra situação extremamente conflituosa para o idoso. Como lidar ao mesmo tempo com a chegada da velhice e com a aposentadoria? Essas são questões cruciais para o idoso.
Ao indagarmos de nossos informantes se a experiência de sua aposentadoria tem sido como eles idealizaram, ainda quando estavam na ativa, a grande maioria dos entrevistados associaram a idéia de estar aposentado ao recebimento de um salário justo, e todos reclamaram que tiveram uma redução em seus vencimentos. A preocupação emergente não parece ser o que podem fazer com a sua aposentadoria em termos de lazer, entretenimento, realizações pessoais; mas quanto vão ganhar de salário de aposentadoria com vistas a terem as condições para suprir as suas necessidades e de sua família.
Pareceu-nos que só quando atendidas a esta necessidade, ou seja, resolvido a questão salarial, é que passam a pensar nas outras coisas, tais como, aproveitar de maneira alegre e intensa essa nova fase da vida, sentimos nas falas uma grande revolta por anos de dedicação ao trabalho, para serem agora, na fase da aposentadoria, tão pouco reconhecidos, em decorrência da perda salarial:

Não. Por que o salário não condiz com o tempo que eu trabalhei. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Não. Pela fragilidade desses sem vergonha ai. Porque se eu tivesse recebendo os cinco salários e meio dava muito bem hoje. Eu e uma mulher, dava demais. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Acho que foi como eu pensava, né? Eu tinha muito medo de meu dinheiro diminuir e ficar recebendo bem pouquinho, mas diminuiu muito pouco. Nos primeiros três meses aumentou pra quase dois mil e setecentos reais, mas diminuiu numa faixa de uns trezentos e poucos reais. Por que diminuiu pra todo mundo, sabe? (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Eu me aposentei um pouco antes, não esperei chegar aos sessenta e cinco anos. Acho que foi com sessenta e dois. Acho que por isso que a gente tem que arrumar um complemento, quase a maioria tem que arrumar, porque acho que realmente não dá para levar, mas de certa forma foi como eu imaginei. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


É. Me sinto realizado também por isso, porque pelo menos eu tenho com que viver sem me preocupar muito. O que eu tenho, acho que dá pra viver. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


A partir das respostas recebidas acima, resolvemos perguntar a nossos informantes se estes se arrependeram de se aposentar e recebemos como respostas que para a maioria dos nossos informantes a aposentadoria, diga-se de passagem, o recebimento de um salário mensal, foi algo muito bom e importante em suas vidas. Portanto, que não se arrependeram em se aposentar:

Não, eu não me arrependi nenhuma vez. É tanto que eu tentei duas vezes por insalubridade e o governo negou, mas se eu tivesse me aposentado antes eu acho que tinha sido melhor. A minha aposentadoria, eu acho, que não tá sendo do jeito que eu queria porque eu já vim me aposentar com a idade muito avançada; eu me aposentei com quase sessenta e seis anos, quando eu podia ter me aposentado com sessenta anos e trinta e
cinco anos de contribuição, mas infelizmente não deu. Aí tinha sido bom se eu tivesse me aposentado pelo menos com sessenta
anos, tinha sido melhor. Há uns quinze anos atrás teve um programa do governo que quem nasceu na agricultura, podia ter se aposentado naquela época, só que quando eu fui preparar
minha documentação tinha passado do prazo, aí eu não me aposentei. Teve gente ainda, colega nosso, que se aposentou, lá em Alagoinha, em vários lugares, lá em Petrolina, teve, não sei quantos, que se aposentaram com aquele plano do governo, mas eu não consegui. Na época eu tinha recebido dinheiro, talvez fosse melhor do que hoje, eu tinha me aposentado naquela época com cinqüenta e cinco anos. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)

O interessante do depoimento do informante acima é que ele só lamenta não ter se aposentado ainda mais jovem, aos 60 ou 55 anos. E aqui vale a pena uma rápida digressão sobre este informante. É preciso atentar para o contexto cultural e de projetos de vida do indivíduo para melhor compreender as suas visões de mundo e projetos de vida.
O referido informante iniciou a sua vida ativa trabalhando na agricultura e na pecuária; sempre teve um pequeno sítio e dele nunca se desfez; só anos depois é que vem residir na cidade e trabalhar numa empresa pública. Nos contou do desejo que tinha de se aposentar para poder voltar ao seu sítio e finalmente, tomar conta do que é seu.
Obviamente, a aposentadoria para este informante ganha notoriedade em seu sentido pleno de liberdade, o não-trabalho significa para ele a oportunidade de trabalhar e cuidar de seu sítio, lugar onde se sente realmente feliz. Nesse contexto, aposentar-se não significa “vestir o pijama”, mas assumir novos papéis e formas de atividades que ocupam o idoso e não o isola do mundo. Infelizmente esse caso não é a regra entre nossos informantes, mas à exceção.
Outros informantes assim se pronunciaram:

Não, eu não gostei, mas não me arrependi não. Porque a gente vai fazer o que? Fica velho, não é para se aposentar mesmo? O cabra pelo menos vai tá seguro até morrer. Pelo menos a gente diz que tem o dinheiro tal dia e tem. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)

O discurso fatalista e, ao mesmo tempo pessimista desse informante nos leva a pensar em outra realidade da vida do aposentado: a consciência de sua finitude e portanto, da morte.
Ao mesmo tempo o salário de aposentado imprime segurança e dignidade ao idoso que prefere, como qualquer outra pessoa, não viver submissa ou sendo sustentada financeiramente por ninguém, mesmo que este seja um membro da família. É o que também defende o discurso abaixo:

Não porque hoje eu tenho minha segurançazinha, pouco ou muito eu tenho. Não dependo de ninguém. Se eu trabalhar eu tenho se eu não trabalhar eu tenho, não dependo de ajuda de ninguém. A gente tendo o nosso é outra coisa. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Não me arrependi nunca, era o maior desejo da minha vida, nunca me arrependi. Trabalhei vinte e oito anos e seis meses. Ai compensou com as salubridades, porque eu ganhei um ano e três meses de salubridade tinham sete meses da licença que tirei ai completaram. Se fosse de seis meses eu ainda tinha que trabalhar um ano e meio. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Eu não me arrependi não! Porque já faziam trinta e cinco anos que eu trabalhava numa firma e faziam trinta e quatro anos que foram trinta e quatro férias trabalhadas. Dos trinta e cinco anos eu só tirei uma féria. Mas eu trabalhei trinta e quatro férias. Trinta e cinco anos numa firma e trinta e quatro anos trabalhando. O dono precisava de mim ai dizia, eu pago a tua féria, ai tu fica trabalhando e recebe duas vezes. Ai eu disse epa! É comigo. E na época eu tinha cinco filhos em casa e dois eram fora. Ai eu precisava desse dinheiro. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Não, de jeito nenhum! Tudo no mundo tem suas vantagens e desvantagens. Você nunca sabe o dia de amanhã. Aposentei-me e não esperei a idade certa. Uma vez Fernando Henrique disse: “se aposentar com mais tempo de serviço é melhor”. Mas isso tudo é relativo. Me aposentei, porque pedi mesmo a Deus nas minhas orações que eu não terminasse meus dias de vida trabalhando como empregado. Ai foi quando fui dispensado, o que recebi eu empreguei em uma lan house. Agora estou me sentindo moço. Apertado por que empreguei o dinheiro ali e não tive um retorno satisfatório. Mas de qualquer maneira está mais próximo de eu ter outra fonte de renda e não é só eu que trabalho. É praticamente a família toda. Me serviu muito! Não sei se eu tivesse deixado para mais tarde se eu não teria perdido essa oportunidade. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Mas ora se arrepender (risos). Não me arrependi de ter trabalhado não. Nunca me arrependi, porque se eu não tivesse trabalhado não teria me aposentado. E se arrepender de se aposentar? Que nada! Se eu tivesse outra aposentadoria eu ainda queria outra (risos). (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Como a grande maioria de nossos informantes afirmou não terem se arrependido de se aposentar, principalmente pela garantia do recebimento de um salário certo a cada mês, resolvemos insistir com nossos entrevistados e direcionamos a nossa pergunta mais para o nível da satisfação pessoal e da representação do que é estar e ser aposentado. Assim, iniciamos o nosso percurso indagando deles se haviam, ao longo de suas vidas, se preparado para um dia estarem aposentados:

Antes não, quando faltava um ano ou dois, mais ou menos, eu me preparei. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Eu nem pensava. Eu me aposentei, mas não pensava que iria me aposentar um dia. Mas chegou o tempo dos velhos se aposentarem. Eu ainda dei entrada quatro vezes e eles não me aposentaram enquanto não completou a idade. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Me preparei muito, pedi muita força a Deus porque era assim que eu pensava, se um dia eu me aposentar eu quero ter ainda disposição pra fazer minhas coisas, porque é muito ruim se aposentar perto de morrer. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Me preparei! Eu lutava para isso. Trabalhei na SAMBRA, eu novinho fui encarregado de lá, que o pessoal até ignorava, saí para outra firma para trabalhar com duzentas e duas pessoas, trabalhava com sessenta mulheres e o resto tudo homem, por sinal, não leve a mal, mas ô bicho trabalhoso é o tal da mulher de lutar com ela. Era um deus nos acuda. Não tinha dia para não ter duas ou três doentes. “to doente Barbosa.” Ai eu dizia então
assim vá para casa que eu não quero ninguém doente aqui não. Gosto de gente com saúde para trabalhar. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Trabalhei só pra esse final mesmo. A gente só trabalha pra o fim da vida da gente. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Eu me preparei, porque trabalhei todo o tempo e a gente quando trabalha tá se preparando pra o futuro, né? O futuro é a gente ficar velho e ninguém querer, então tem que ter o salário de viver, né? (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Merece destaque à fala desse último informante e o grau de revolta que sente ao relatar a sua vida e seu futuro: “o futuro é a gente ficar velho e ninguém querer”. É triste ouvir um relato deste, e saber que o que disse é a mais pura verdade, pois em nossa sociedade o velho é visto como um estorvo, como alguém que por não mais participar da vida ativa, por estar na inatividade, se transforma, automaticamente, em um problema para a família ou para seus cuidadores. Não há como pensar diferente a realidade desse quadro apontado por nosso informante, mas vale a pena destacar as variadas tentativas de diversos setores da sociedade que vem tentando imprimir novos significados para a velhice e para a necessidade que o idoso tem de ser respeitado como um cidadão, antes de qualquer coisa.
Só uma única informante nos colocou que não houve tempo para pensar em sua aposentadoria, dado a forma abrupta com a qual ela aconteceu em sua vida:

Não. Não pensava em me aposentar. Apareceu uma lei que quem tivesse quinze anos de trabalho podia se aposentar, eu não sabia de nada, me aposentei sem esperar. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)

Com base nos depoimentos acima, fica clara a idéia de que o trabalhador constrói, estando ainda na ativa, uma expectativa muito grande quanto à aposentadoria, muitos chegaram inclusive a afirmar que se prepararam durante toda a vida para isso. Assim, a aposentadoria surge como o grande, e ao que tudo indica, último projeto de vida do aposentado. Em outras palavras, gozar a aposentadoria e o que ela representa, parece ser a grande finalidade de sua vida.
Mas ainda no caminho de detectar as diferenças e/ou fronteiras entre o ato de trabalhar e o de estar aposentado, indagamos de nossos informantes o que eles pensam dessas duas ações; o que é para eles trabalhar e o que é estar aposentado e coletamos depoimentos bastante interessantes como os abaixo descritos:

Quando a gente tá “na ativa”, a gente só pensa naquela atividade que vai fazer; e aposentado a gente não pensa em nada, por que tem uma coisa e outra pra fazer e no resumo não tem nada por que a gente não tem obrigação mais, e quando a gente tá “na ativa”, a gente tem que pensar só naquilo, só naquela atividade pra fazer. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Eu creio que trabalhar a gente tá numa atividade que sempre a gente tá com mais cuidado, por que não pára e além de trabalho
faz movimento; e aposentado não, a pessoa, se não tiver cuidado, fica parado de uma vez. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Trabalhar você tem a responsabilidade você tem um compromisso de você todo dia levantar e ir trabalhar. E aposentar você não tem esse compromisso, você tem uma vida mais livre. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Para os três informantes acima elencados, trabalhar exige uma rotina e o cumprimento de obrigações das quais não é possível eximir-se, há uma perda da liberdade, pois o trabalhador não tem escolha, a não ser cumprir o horário rigoroso de trabalho; ao passo que o estar aposentado representa o oposto de tudo isso, pois mesmo que o indivíduo trabalhe em casa, com a família, e já estando aposentado, tal atividade foge dos rigores impostos pelo trabalho formal.
Já outros informantes para construírem as suas respostas, destacaram que mesmo estando aposentados continuam a trabalhar, mesmo que informalmente, e que o trabalho é a principal forma de ocupação de seu tempo:

Trabalhar é bom, dá saúde, dá tranqüilidade à gente; e se aposentar vai cortando as coisas da vida da gente, porque fica mais difícil. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Bom. Toda vida eu gostei, ainda hoje pego a máquina velha ali. Para não estar parada. A gente estando parado o juízo também fica parado. E a gente se movimentando tudo se movimenta. Ainda tem costura, mas é minha. Daqui para amanhã eu faço.


Se aposentar é bom, é um descanso que você tem, é sua ração certa. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Trabalho eu acho que... eu tô aposentada mas eu num parei de trabalhar, então trabalhar eu continuo, eu acho que quase todo mundo continua trabalhando depois de aposentado, eu mesmo invento tudo, só num tô no trabalho formal, mas em casa eu trabalho demais, meus crochês preenchem o meu tempo, agora eu tava pensando em aumentar meu trabalho na comunidade, porque eu fiz uma promessa pra quando me aposentar dar minhas horas de trabalho na comunidade, ajudando as pessoas e eu num tô fazendo isso, então pra mim tá aposentada é trabalhar também. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Eu acho que o trabalhar não é defeito nem é cansativo para ninguém. É somente a pessoa saber se preparar para trabalhar e trabalhar até o final, até no dia que ele quiser. Eu trabalhei esse tempo todinho numa firma e ainda hoje se for trabalhar ainda trabalho e ainda tenho a mente boa para escrever e fazer tudo isso, e se aposentar, é muito bom. Porque você está cansada já depois da pessoa cansado já, ai vai e se aposenta. (Entrevista
com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Conseguimos coletar um depoimento muito interessante que ilustra bem o dilema do estar na vida ativa e o estar aposentado; há perdas e ganhos ao viver uma ou outra experiência:
O trabalho é a realização do ser humano, e se aposentar é o prêmio pra tanto tempo de trabalho, ter um pouco de descanso, mas chega um certo ponto da vida que isso fere a auto-estima. Porque a gente se sente inútil, eu acho. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)

Se os valores culturais, considerados positivos, não valorizassem tanto o trabalho em nossa sociedade certamente não teríamos uma visão tão pessimista da aposentadoria. Pois o aposentar-se significa a negação do trabalho, acompanhado de um profundo sentimento de exclusão e deslocamento social. Ao informar que o idoso muitas vezes se sente um inútil quando deixa de trabalhar, isso se deve ao valor

altamente positivo atribuído ao trabalho e, conseqüentemente negativo, atribuído a aposentadoria.
Não é a toa que a grande maioria dos informantes não demonstrou nenhum desejo de voltar a trabalhar, preferindo, portanto, continuarem aposentados; pois instados a responderem se pudessem escolher se estariam trabalhando ou aposentados, recebemos os seguintes depoimentos:

Aposentado. Trabalhar como empregado mais não. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Aposentado, por que aposentado a gente tá livre né? A gente vai pra onde quer, trabalha o dia que quiser; se não quiser trabalhar também, não trabalha; e estando “na ativa” todo dia quando chega aquele horário tem que tá no trabalho. Aposentado eu posso dormir até tarde, posso me acordar a hora que quiser, posso ir pra um passeio, passar um dia ou dois, como quinta-feira mesmo, eu vou pra Goiás passar uns dias lá, sem esquentar com nada, isso porque eu “tô” aposentado né? Se tivesse trabalhando não podia. Idem. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Aposentada, porque a gente descansa mais. Trabalhando a gente não descansa, tem que trabalhar e estando aposentado já tem a escorinha ali! (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Bom é ta livre. Não é nem o tipo de trabalho que eu faço, a questão é o compromisso. Você ter aquele compromisso sério com a empresa, ministério do trabalho. E já nessa idade, talvez não tenha nem condições de fazer aqueles tipos de relatório que eu fazia para apresentar aquela documentação todinha no ministério do trabalho, então, não gostaria mais de voltar se fosse o caso. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Só dois informantes manifestaram desejo em voltar a trabalhar e por interesses bem diversificados. Um, desejando trabalhar para auferir mais rendimentos para gastar principalmente, com viagens e outro, para imprimir utilidade e vitalidade à sua existência, conforme descrição abaixo:

Trabalhando. Pra ganhar outro dinheiro pra gastar. Que não tem coisa melhor do que gastar dinheiro. Eu recebendo eu ajunto o ano todinho para gastar no fim do ano e andar. Fecho o fiteiro, levo as coisas pra casa que eu moro aqui pertinho. Pego o avião
aqui mais a minha velhinha e vamos embora. Ai tem São Paulo, tem Rio de Janeiro, tem Goiás. Esses lugares todos têm filho pra visitar, só para gastar o que a gente ganha. A gente ganha dinheiro para isso mesmo que a gente ta no fim da vida. A pessoa com setenta anos ta no fim da vida. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Trabalhando. Por que a gente se sente mais útil, mais viva. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Na sociedade brasileira marcada por diferenças sexuais muito nítidas, onde há lugares muito bem demarcados e naturalizados como “espaços de homem” e “espaços de mulher”, bem como atividades classificadas como próprias do homem e outras próprias da mulher, provocam uma segmentação de espaços e de atribuições que ganha uma dimensão enorme quando lidamos com aposentados, homens e mulheres.
A aposentadoria, por sua própria característica, retira homens e mulheres do espaço público, da “rua” e os confina no espaço privado, na “casa”. A casa sempre foi e continua a ser pensada como um espaço feminino, que deve ser ocupado, administrado, organizado pela mulher; só que o homem, que se aposenta, também fica recluso ao espaço da casa e qual o seu lugar na casa? Já que este é, por excelência, um espaço feminino? Basta essa pequena reflexão para trazermos à tona a complexa relação de disputa por espaços e por poder que se estabelece entre homens e mulheres aposentados. Perguntamos aos nossos informantes para quem era melhor a aposentadoria, se para o homem ou se para a mulher e recebemos às seguintes explicações:

Pra mulher, por que a mulher quando se aposenta tem o serviço doméstico, de casa, que ela faz tudo, e o homem às vezes vai fazer, não faz do jeito dela e casa quem toma conta melhor é a mulher né? Isso é verdade quando o homem acaba sendo tolhido pela mulher e obrigado a viver dentro de casa. Trabalhe a psicologia dessa idéia. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Eu acho que é bom para todos dois, mas para a mulher é melhor. Porque a mulher tá mais cansada de trabalhar, ela sempre trabalha direto, não tem quem trabalhe mais do que a mulher, o homem mesmo não trabalha. Porque o homem quando chega do trabalho almoça ou janta e vai descansar, a
gente não, a gente sempre tem o que fazer. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)

Já para outros informantes a diferença destacada entre homens e mulheres não reside na questão da disputa por espaços, sendo o espaço doméstico considerado por excelência o espaço feminino, mas pelo grau de esforço despendido por homens e mulheres ao longo da vida ativa:

Acho que é pro homem. Porque, pra mulher, nunca vai faltar o que fazer e o homem é mais pra descansar, se ele não tiver alguma coisa pra fazer, ele se acomoda. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Eu acho que para todos dois é bom! Porque a mulher sempre é mais fraca do que o homem. Elas chegam à base de uns cinqüenta anos e tem delas que já estão acabadas e o homem tem cabra de cinqüenta anos ai e ainda macho todo. Ainda tem força para trabalhar. Eu mesmo tenho setenta e trabalho em tudo no mundo. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Eu acho que tanto faz pra um como pra o outro, por que a mulher cuida da casa e o homem tem outras coisas pra fazer. Meu marido é aposentado, mas trabalha tanto, que ele tem uma barraca e só vive despachando, ele se senta pra tomar café o povo chamando, vai almoçar é o povo chamando, ele não pára. O pobre é um sofredor, trabalhador, coitado. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


Na esteira de buscar desvendar as diferentes experiências de homens e mulheres aposentados, indagamos de nossos informantes quem eles acham que aproveitam melhor a sua aposentadoria, o homem ou a mulher? E para nossa surpresa, a grande maioria dos informantes afirmaram ser a mulher quem mais aproveita a aposentadoria, pelos motivos abaixo descritos:

Eu acho que a aposentadoria pra mulher é melhor do que para o homem. Muito embora que minha mulher aposentou-se e não quer ficar em casa, mas a aposentadoria pra mulher é melhor do que pro homem. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


É a mulher que não faz nada em casa fica só dormindo e a gente fica só gastando. Ai ela que não sai vai juntando e a gente fica pobre sai gastando tudo. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Eu acho que a mulher. Porque a mulher é segura. Ela sabe segurar o dinheiro e a gente não, a gente pega e extopora com qualquer coisa, apareceu na frente gastou mesmo. E a mulher não. A mulher é segura, lá em casa vixi Maria, a lá de casa para soltar uma ruelinha do dela é preciso uma briga. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Eu acredito que a mulher. Eu acho que ela controla mais a despesa, tem alguns casos que não. Tem mulher que rasga mesmo para valer. Mas acredito que a mulher controla mais, mesmo com o salário menor, mas ela é mais cuidadosa. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


A mulher, porque a mulher tem mais folga, anda mais passeia, trabalha mais. E os homens não aproveitam nem o dinheiro que ganha da aposentadoria. Só faz é beber cachaça e gasta tudo assim depois ficam nas portas pedindo esmola. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Apenas uma informante defendeu que quem aproveita mais a aposentadoria é o homem;
Eu acho que é o homem. Por que ele tem mais liberdade pra sair, pra se divertir. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Anita Liberalesso Néri, em seu artigo: “Feminização da velhice” , nos mostra como tem ocorrido no Brasil, não só um aumento bastante expressivo do número de mulheres aposentadas, como elas vem conquistando um destacado espaço de visibilidade, através da ocupação de espaços tais como: grupos de terceira idade, trabalhos comunitários em Igrejas, Escolas, Sociedades de Amigos de Bairros, Instituições não-governamentais etc.
Em outras palavras, as mulheres aposentadas, ao contrário de se enclausurarem em casa, porque se aposentaram, começam a ocupar o espaço público e a reinvindicar um pertencimento e respeito nesses espaços. (NERI, 2007, p. 47 a 64)
A necessidade de aproveitar a aposentadoria, passeando, descansando, viajando, dançando etc, são algumas sugestões comumente oferecidas na sociedade para o aposentando; é como se existisse uma espécie de “tipo ideal” de ser aposentado; um modelo a ser seguido e que, quem não se adequar a esse modelo estaria fora de contexto, ou vivendo a sua aposentadoria de maneira incorreta.
No sentido de detectar o que pensa o aposentado e a sua família, como se deve “aproveitar” a aposentadoria, recebemos respostas que se aproximam imensamente desse “tipo ideal”, descrito acima:

O comentário que eles fazem é assim: “agora não tem mais o que você fazer, é (pausa) lazer e passear”; só que eu até agora não fiz isso não e não sei nem (risos) se vai ter o tempo de dizer assim: “hoje eu ‘tô’ folgado, posso ir pra qualquer canto”, porque quando a gente pensa em ir pra um canto a mulher pensa
em ir pra outro, quando ela pensa em ir pra um canto a gente já pensa pra outro, e nunca dá certo. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Dão conselhos sim. Dizem que eu vá me divertir agora, cuidar da minha vida. Mas eu nunca fui assim de me divertir, de sair, nunca fui, né? E eu acho que a pessoa tem que fazer aquilo que gosta e eu num gosto de tá saindo. Me convidam direto pra uns passeios não sei aonde, me convidaram pra ir pra o Juazeiro, mas eu não tenho vontade de ir e as pessoas têm que fazer aquilo que tem vontade. Não sei se eu tô errada. (risos) (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Não, porque eu aproveito do jeito que eu posso aproveitar e do jeito que eu quero também. Só quem manda nas minhas vontades sou eu mesma, ninguém dá pitaco. ((Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


O interessante nos depoimentos acima descritos é que mesmo existindo uma espécie de “pressão social” sobre a forma correta de viver a aposentadoria, que diga-se de passagem, despreza qualquer relação de aproximação com o mundo do trabalho, pois o negócio é “lazer e passear”, os informantes preferem decidir com total autonomia o que desejam fazer e como devem ocupar seu tempo.
Assim, no que diz respeito à forma como o aposentado deve aproveitar a sua aposentadoria, os nossos informantes demonstraram poder de decisão e autonomia quanto a liberdade de decidirem o que querem fazer; no entanto, quando passamos a pensar a autonomia e respeito do aposentado na sociedade as visões deixam de ser positivas e passam a ser marcadas pelo desrespeito dirigido cotidianamente ao aposentado. Ao indagarmos de nossos informantes se eles acham que são respeitados pela sociedade, recebemos as seguintes respostas:


Não é muito respeitado, não. Porque às vezes a gente vê nos ônibus mesmo, quando a pessoa vai apanhar o ônibus aqui, quando apresenta ao cobrador ou ao motorista aquela carterinha eles fazem que não, e aquilo é uma falta de respeito, eu acho. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Eu acho que não. De minha vez não. Mas os outros cada um que ache a sua vida. Eu me acho respeitado, porque não procuro desacatar ninguém, nem desagradar ninguém, nem dizer às coisas que não gostam a gente tem que tá na da gente e pronto. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


É não. Não é não, que um dia desses, eu quis dar umas tapas num cara de um ônibus. Não é não. Tem muita gente que respeita um idoso, mas tem muitos que não respeita porque eu já vi, aconteceu essa semana passada; o cara vem no ônibus ai vem um negão assim no ônibus com uma pasta assim todo bacana ai lá na frente o cara parou pra uma velhinha, ai quando chegou mais na frente tinha um senhor já de idade, um negro velho. Deu com a mão, ai o motorista foi logo dizendo: “Puta que pariu! Parar para um corno desses.” Mas deixa que ele não sabia que o cara que ia com ele, o negão que ia ali, era família do cara. Olhe que parada! Ai o negrão saltou a roleta: “rapaz, você chamou o velhinho de corno” e o cara passou direto. “pare ai para apanhar o velhinho” ai ele disse: “por quê?” ele disse: “pare” ai abriu a pasta assim tirou o revolver e disse “dê ré para apanhar ele senão eu te mato aqui.” Ai ele voltou uns cinqüenta metros ai o negrão disse: “olhe, respeite que esse aqui é meu avô seu cabra safado.” Quer dizer é um desrespeito a um velho.
Eu me sinto respeitado, porque se o cabra não me respeitar eu enfio a mão no pé do ouvido dele. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)

As atitudes de desrespeito ao idoso e, conseqüentemente, ao idoso aposentado, passam necessariamente por gradações que dizem respeito à diferenciação entre as classes sociais. Muito provavelmente o alvo preferencial é o idoso de baixo poder aquisitivo, que se vê obrigado a pegar condução para se locomover na cidade, que passa horas na fila de um hospital público à espera de um atendimento, que passa por toda espécie de humilhação e verdadeiro “vexame” por não saber utilizar o caixa eletrônico para receber a sua aposentadoria, ou tem que ficar na posição extremamente incômoda dos olhares de recriminação, quando reivindica o seu direito de “furar a fila” por ter tratamento preferencial.
Outros aposentados preferem defender um ambiente “mais positivo” e otimista para suas vidas e relacionamento com a sociedade envolvente:

Faz pouco tempo que estou aposentado, mas não vejo nada não. Quando vou ao Banco do Brasil eles me respeitam, me chamam, às vezes estou mais perdido e eles me orientam. No ônibus eles me respeitam muito bem. Não tenho o que dizer
não. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Muitas vezes não. Eu acho que sou respeitada sim, nunca percebi nenhuma falta de respeito, não. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Eu mesma toda a vida fui respeitada. Todo mundo gosta de mim. Ontem à noite eu estava na casa de uma vizinha conversando, falando sobre viagem de avião, se a senhora visse, o cuidado que aquele povo tem com eles, que as aeromoças, aqueles homens e mulheres têm cuidado com a gente, tudo o que a pessoa precisar; eu disse até a mulher que eles me ofereceram guaraná diet, guaraná light e toda qualidade de bebida que eu tomava tinha. Aí eu preferi um cafezinho, pois o rapaz teve que fazer esse cafezinho pra mim. Eles têm muito cuidado com a pessoa, muito respeito, não sei se é porque se agrada assim. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)

O respeito ou desrespeito da família para com o aposentado é outro tema crucial; muitas vezes, infelizmente, o desrespeito com o idoso começa dentro da própria família. A idéia de fardo, peso, problema, trabalho dirigido à pessoa idosa, contribui para o aparecimento de uma série de estereótipos que ajudam a construir toda uma visão negativa da pessoa idosa. Como se não bastasse, o desrespeito ao idoso passa também pela exploração econômica. Todos os nossos informantes foram unânimes em defender que o desrespeito maior é com relação ao uso indevido e a exploração da aposentadoria do familiar idoso. Os seus rendimentos literalmente vão embora com a exploração dos filhos, netos etc.

Tem umas que gostam de ver que a gente ta bom, tem outras que querem que a gente dê o salário nosso e a gente não pode dar, e fica com a cara feia não é? Eu queria o seguinte; ser aposentado como sou, ter muito dinheiro para ajudar a quem precisasse. Minha vida é essa, ajudar os outros. Eu gostaria. Só com família não. Qualquer pessoa, porque a gente não vive só de família, a gente vive do mundo, do povo. Porque o povo olha a vida nossa e dá o direito à gente e família sempre só quer puxar pra eles. Você tem família e sabe disso, se você tivesse dez salários para dar para a sua família, você era melhor. Mas como você diz que não tem, a família diz que você não presta, que gasta a toa, que compra isso e aquilo. Porque ninguém olha sua vida, só olha a vida dos outros para diminuir a pessoa.
(Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Nem todos. Ao contrário, o aposentado muitas vezes é usado pela família; tem um caso na nossa família mesmo, pobrezinha de Nega e Zito são sugados mesmo. De ter mês de Nega receber só duzentos reais por cauda de empréstimo dele, né? Aí só vem duzentos e pouco. Seu Cícero também é o mesmo caso. Muitos tão nessa situação. Lia também no Rio de Janeiro, os coitados vivendo somente daquele salário de Piu, aí vem aqueles netos tudinho pra ser sustentados por eles; quer dizer, um povo sem consciência, né? (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


É não, não é não. A família não respeita de jeito nenhum. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


O comentário que existe é que ele é muito explorado pela família por causa do salário, tem outros por ai talvez seja mais velho que tem mais condições e eles se aproveitam da fragilidade deles do aposentado e eu não sei se julguei, mas tem aposentado por ai que tá passando fome porque a família pega o dinheiro e desvia. Tinha gente por ai que pegava o velhinho, dava um dinheirinho para ele comprar um cigarrinho. Da uma ordem em uma lanchonete para ele comer alguma coisinha e o resto do dinheiro eles rasgam. São poucas famílias que respeitam os seus aposentados. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Muitos são, e muitos não são. A família só quer saber do dinheirinho no final do mês e não respeita nada. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


É. Porque tem os netos né? Os netos todos precisam da avó. (risos) Eu tenho um neto mesmo que é muito teimoso, que as meninas não gostam muito do jeito dele, mas eu ajeito ele mais do que tudo. Ele foi criado sem pai, sem mãe, se não tiver o meu amor, se não tiver o meu carinho, como é que vai ser? Eu tenho quatro netos esse foi o primeiro, do meu filho. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


Alguns são respeitados, outros não; depende do salário e dos parentes do aposentado. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)

Se o aposentado não é, em sua maior parte, respeitado pela família, filhos, noras, genros, netos etc, o que dizer das pessoas mais jovens? Aqui nos deparamos com a questão etária, questão esta muito séria porque opera com lugares, pertencimentos e linguagens sobre o que é ser velho e o que é ser jovem. Já apontamos alhures que vivemos em uma sociedade que preza e que valoriza sobremaneira a figura do jovem. O velho, e conseqüentemente, a velhice é o descartável, aquilo que não se deseja, que não se quer perto, porque ultrapassado, superado, destruído. Numa sociedade que superestima a juventude e seu ideal, parece não ter espaço para a velhice.
Indagamos de nossos informantes se na sua opinião o jovem respeita ou não o idoso, e coletamos as seguintes respostas:

Eu acho que sim, eu não vou dizer que são todos não, mas eu acho que sim. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Tem muitos jovens que respeitam agora a maioria, assim, uns oitenta por cento não. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Eu acredito que é uma pequena parcela também. Eles ao invés de ajudar eles exploram. Os jovens também não ajudam. Isso ai é preciso melhorar bastante. É consciência, educação da própria família. Que o jovem em geral é muito amado. O pai às vezes é muito triste, porque não se sente amado, de uma convivência boa de pais com filhos. O jovem às vezes anda triste porque ta faltando esse diálogo essa conversa boa, essa conversa amiga do pai com ele. Não é querendo culpar A nem B, porque esse erro já vem de longe. Tem pai que cria muito duro como bicho, aí papai já criou a gente rígido, meio duro. Aí eu já trouxe isso no sangue para meus filhos. No meio onde eu fui criado, onde estudei, onde me criei, eu melhorei empreguei na família fui corrigindo algumas situações que eu criei. Só que existe essa tristeza dentro dos lares de os filhos se sentirem muito desamado. Não estou querendo colocar a culpa nos pais, porque também eles não tiveram. Eu não posso oferecer uma coisa que eu não recebi. Papai pediu uma cartilha para o pai dele, pra ele estudar e o pai dele disse; eu vou te arrumar uma enxada, sua cartilha é essa daí. Ele tem culpa de ser daquele jeito? Ele não tinha visão. Pra que ele iria estudar? Para limpar mato? O pai dele não tinha visão. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Não, o velho não é respeitado pelo mais jovem, pela maioria, não; independente de aposentado ou não. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Perguntamos a nossos informantes se o mundo atual era melhor para os velhos ou para os jovens, para nossa surpresa quase que a totalidade de nossos informantes afirmaram que o mundo é melhor para os velhos, tendo em vista o acesso aos direitos e a aposentadoria que imprime, uma forte autonomia a esses idosos. Outra questão extremamente interessante foi quanto à noção de faixa etária; para nossos informantes pouco importa se um indivíduo é jovem ou velho, o que deve ser levado em consideração é a sua autonomia financeira, ter um bom emprego, ou uma boa aposentadoria, isso é o que imprime respeito à pessoa humana, esteja ela em que idade estiver;

Pra os mais velhos, por que quando eu era menino se o aposentado não tivesse um filho, um parente que sustentasse ele ia morrer de fome, e hoje os mais velhos é que sustentam os mais novos, só é o que a gente vê. A maioria dos jovens, dos netos, dos sobrinhos, vivendo às custas dos aposentados; isso aí a gente vê muito. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Eu acho que o mundo é melhor pras pessoas que têm um bom emprego e que zelam por ele. Os mais jovens mesmo, se não tiverem um bom emprego, vivem aí nas drogas, envolvidos até em tráfico. Eu acho que o mais jovem, só é bom pra ele se for bem empregado, se não for, pro aposentado é melhor. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino,
auxiliar de operação)


Para os mais jovens velho é o resto! Você chega em um canto, você vê, estuda e sabe, os jovens é tudo brincando e velho é tudo encolhido com raiva, você é velho! Se você respeita um mais velho, é porque você pensa. A minha vida graças a Deus foi muito puxada, desde sete anos de idade que eu trabalhava com meu pai e sei o que é a vida no meio do mundo e depois de casado, aí sim! (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Acho que é para os mais velhos que já estão mais descansados e os mais jovens ainda tem a guerra toda pela frente. A gente não tem mais pelo que brigar, só espera mesmo pelo dia de receber
e ver com que gasta. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Pra os idosos tá ótimo, eu acho. Por que antigamente, a pessoa morria de fome; hoje em dia, graças a Deus, todos os idosos têm o seu, só não têm se for sugado pela família, mas se não for, tem o seu todo mês. A gente tira pelos nossos, lá no Brito mesmo, Rosa e João vivem numa boa, se aquelas criaturas não tivessem um salário eles iam viver de que? Sem poder trabalhar. Aí eu fico pensando, pai mesmo, morreu de trabalhar, e não teve o prazer de ganhar um centavo sem ter o suor dele, né? E hoje em dia tá todo mundo na boa. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


De qualquer maneira o mundo hoje está muito melhor do que antes; mamãe lavava roupa de cócoras na beira de um cacimbão com água salobra que era para não cortar o sabão, e hoje você tem uma máquina de lavar. Hoje a situação é muito melhor, apesar do mundo cambaleando, mas está sempre caminhando para dias melhores. Hoje o robô tira o leite da vaca. Lava o peito dela, ordenha ela divide o leite. É muito melhor para os velhos e para os jovens. Agora os jovens pensam que é sofrer hoje, trabalhar dentro de casa. Mas é muito diferente de qualquer maneira o mundo hoje é muito diferente para todos. Agora a concorrência é muito grande, é muita gente, os filhos estão mais desobedientes, mas aí são os próprios pais que não sabem criar o filho direito. Com amor, responsabilidade. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Oxe, para os mais velhos! Os mais velhos é que ta numa boa hoje. Mas menina! Os mais velhos hoje tem direito de andar de ônibus sem pagar, pode passear para onde você quiser, só é ir ao INSS e dizer: “eu quero viajar tal tempo” e eles lá é quem resolve tudo é quem encaminha a passagem das pessoas. Não é a gente que marca não, é eles lá! Não quero ser jovem não. Quero ser de velha a mais velha. Os velhos é que tão numa boa
hoje. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Indagar dos idosos o que estes acham da velhice talvez tenha sido uma das perguntas mais difíceis que fizemos a nossos informantes Além de ser uma questão um tanto complexa para ser respondida em palavras breves, ninguém gosta de avaliar a si mesmo, ou fazer conjecturas sobre sua idade, corpo enrugado, processo de envelhecimento etc; no entanto essa pergunta nos pareceu imprescindível para ser
realizada por sua forte “representação do eu”, do desnudar-se, do olhar a si mesmo no espelho e ser instado a indagar: quem sou eu velho? E o que eu penso de mim mesmo?


Eu acho que depois que tá velho já tá no fim da vida mesmo, mas eu não me sinto assim ainda não. Eu espero ainda uns dez anos ou mais. Me sinto ainda forte, se eu fosse trabalhar, eu trabalhava ainda um dia todinho e não me cansava, não me sinto cansado, não sinto dor, não sinto nada, graças a Deus. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


A velhice é ruim, é diferente, tudo diminui, a gente, até a vida, a saúde, diminui, porque você adoece mais do que quando é novo. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


É muito ruim. A coisa mais horrível que tem. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Envelhecer é muito ruim. Por que a pessoa envelheceu, já sabe que vai chegando perto da morte, como os médicos disseram que eu não tenho dia nem hora pra morrer né? Mas o Deus vivo que eu confio me disse que eu ia viver muitos dias ainda pra louvar o nome dele, o nome de Jesus. Eu confio no Senhor, somente, a minha confiança é em Deus. Só o Senhor é Deus pra nos dar a vitória. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


O ser e o estar velho vem acompanhado de um conjunto de transformações na vida do indivíduo; o corpo já não responde de maneira satisfatória às necessidades do dia a dia, a memória começa a falhar, e as doenças se alastram; a ida aos médicos e o consumo de remédios passam a ser uma constante. No entanto há dois tipos de sentimentos que acompanham a velhice que são terríveis para o idoso: o medo do fim,
representado pela morte e o medo da solidão, do ficar sozinho. Abaixo, duas informantes retratam muito bem o verdadeiro temor que é o de estar só ou se ver só:

Eu não tenho o que dizer estou velha, mas tenho saúde graças a Deus, tenho sossego, meus filhos não me dão trabalho. Tenho seis, meu, sete, porque criei um pequenininho. É filho também, registrei como filho e é filho também. A velhice é um descanso
pra quem tem uma família boa e uma renda certa todo mês. Hoje eu não trabalho mais. Quando eu era moça eu tinha que trabalhar. O povo vinha me buscar aqui e eu pegava de manhã à noite na máquina. Trabalhei muito. Deixei muito porque não pude mais. O povo vinha me buscar aqui “Não vou mais não!” quando meu velho morreu, enquanto ele era vivo eu trabalhei, porque eu pensava que quando ele morresse eu iria ficar nas casas dos outros, mas foi engano. No dia que ele se enterrou daí por diante eu não trabalhei mais em canto nenhum. Não fui mais pra casa de ninguém. Quem quiser trazer pra eu fazer em casa eu faço, tenho minha casa moro sozinha, já faz onze ele
morreu e não costurei mais. Nem que traga mais pra cá. Na casa dos outros é pra pegar de manhã e largar de noite, de seis as seis e ainda agüentando abuso. Na casa dos outros não tem essa história da gente descansar comida não. O lanche vinha pra máquina. Lanchar na máquina para não soltar o pé, hoje estou descansada graças a Deus. Não tenho mais ninguém estou sozinha. Só eu mesmo nessa casa tenho os filhos, mas todos são casados. Tudo tem suas casas e eu tô sozinha. Criei um menino também que se casou e foi-se embora. Ainda queria criar outro, mas não acho mais. Mas eu ainda criava uma menina, uma companhia ainda, se eu achasse ainda criava. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Eu acho que, muitas vezes, quando chega uma certa idade e já vai se preocupando, né? Porque vão chegando às doenças, os problemas. Então eu acho que pra quem sabe aproveitar é bom sim. Pra mim era esperada, mas, assim, muitas vezes com
preocupação, porque eu pensava se eu não tivesse mais com os meninos, se eles já tivessem casados, será que eles iriam se preocupar comigo? Mas a minha preocupação agora é morar sozinha, porque é horrível, eu não gosto de morar só. Todo dia eu fico procurando o que fazer dentro dessa casa, sabe? Se eu arrumasse uma menininha de quatro ou cinco anos pra morar comigo eu nem me preocupava, mas sozinha é muito ruim. Eu não passo um mês no Brito por causa que eu fico sozinha. A minha preocupação hoje é somente essa, Alexandre vai casar no fim do ano, já tá até marcado; e Ana em João Pessoa. Eu penso direto onde é que eu vou morar. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)

Se o ser velho amedronta e passa a ser a realidade atual vivida pelo idoso, o que dizer de sua juventude, do tempo em que foi jovem? Quais as suas memórias sobre essa fase de sua vida? Foi o que tentamos buscar com nossos informantes. Se a juventude e o ser jovem é uma fase tão valorizada pela sociedade, como eles viveram à sua juventude? Sobre essa questão obtivemos discursos bastante interessantes:


Na juventude, quando eu era solteiro, lá naquela região, tinha muitas namoradas; gostava de um forrozinho quando eu sabia aonde tinha ali naquela região de casinhas, naquela região onde eu morava, eu não perdia; gostava de jogo de futebol, inclusive eu já passei a tomar conta de uma equipe de futebol junto dos meus irmãos; jogava fora todo domingo, eu gostava na minha juventude. Aonde eu vou sempre tem jogo de baralho, tem jogo de dominó, tem um som ligado pra gente dançar, isso tudo faz parte de esporte né? Tem aqueles aquecimento que a gente faz e eu faço esporte, eu acho que ajuda a gente a desenferrujar um pouco pra não envelhecer tão ligeiro. Todo dia eu vou ali pro Meninão, de segunda a sexta. Tenho amizade lá com muita gente já. Às vezes a gente sai, vai pra Santa Rita, vai pra uma churrascaria fora da cidade, quando chega lá, a gente brinca, toma banho de piscina, dança e quase todo domingo a gente vai pra um lugar. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Guardo que era bom demais. As principais eram; trabalho, ter saúde e ambiente para viver. Jovem é jovem, e velho é velho. O respeito de novo para velho é grande. Quer comparar eu com esses vagabundões aí? Eles estão aí tudo bem, mas eu só estou esperando a hora de morrer. De cinqüenta anos para frente, só é diminuindo, quando está com seis, sete anos, está crescendo e a gente velho com sessenta anos está diminuindo. Morrer morre, porque tem que morrer mesmo. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Eu guardo, quem é que não tem saudade do tempo bom não é? Porque quando a gente é nova é bom. Era pobre sim, mas tinha meus pais bons, meus irmãos, hoje não tenho mais já morreu quase tudo. Só tem dois, de seis. Morreu uma irmã e três irmãos. Só tem eu e meu irmão que mora em recife. Eram quatro homens e duas mulheres. Esse irmão que ta vivo eu nem vejo, é mesmo que não ter, nunca vem aqui. Quando a minha irmã era viva eu sempre ia a recife passar uma semana lá com ela ou ela vinha aqui. Mas você sabe, mulher é uma coisa e homem é outra. Eu ainda falei que ele viesse aqui me visitar, era mais fácil para ele vir que ele tem uma vida até boa graças a deus, tem carro, tem tudo, mas não vem não. Homem é um bicho muito esquisito. Só tenho eu mesmo e meus filhos aqui que moram um pouco distante. Tenho muitas lembranças. A gente moço é uma coisa, não é? E a vida de moço é uma vida
boa pra quem tem vida boa. Tem gente que não tem, mas eu mesmo tinha meus pais eram pobres sim, mas a gente tinha uma vida boa. Hoje só resto eu, sozinha. Um irmão que tenho mora em recife e não vem nem aqui os outros morreram. Inclusive um faz pouco tempo que morreu. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Guardo (pausa). Demais até! Minhas principais lembranças são o jogo de futebol, farrar, eu gostava muito de farrar. E muita coisa. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Nossa convivência lá no sitio era muito boa. A gente vivia muito bem, como aquele velho ditado “a gente era feliz e não sabia”. Lembro aqueles poços bons que tinha e hoje não tem mais, foi tudo aterrado. Torrar castanha, brincar, tudo isso a gente recorda. Tenho saudades do sítio que caminhava, pastorava gado. As caminhadas que eu dei lá por São Paulo procurando emprego. Mas tudo isso fica na saudade. É como papai dizia: “a coisa que mata mais e maltrata é a solidão” e é verdade já começo a sentir saudade daquilo que você fazia que não faz mais, os amigos que você encontrava e batia papo e não faz mais, não tem mais condições de se locomover, então você sente. Tem que descobrir um meio de não cair nesse abismo, nessa vida; tem que começar a se divertir, procurar outras formas. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)

A juventude é associada ao tempo do lazer, das brincadeiras, dos excessos. Todos os nossos informantes narraram suas memórias desse tempo com saudosismo, alegria e a certeza de que viveram muitos bons momentos. Dançaram, farraram, passearam, como eles mesmos disseram. E a velhice, por sua vez, parece representar o contrário de tudo isso e, como se não bastasse, enquanto os anos da juventude sinalizam para uma vida que está por vir, é um “vir a ser”, a velhice sinaliza para o fim e nada mais triste que o sentimento de finitude, assim, o que espera ou deve esperar o idoso sexagenário, octogenário, senão a eminência da morte? Some-se a esse sentimento e consciência da finitude a experiência da solidão, vivência está totalmente abominada pelo ser humano, não é a toa que se diz que o homem é, por excelência, um ser social e entre os idosos, essa máxima se aplica em toda sua integridade, pois o medo, o verdadeiro pavor da solidão provoca sentimentos de verdadeiro terror.
Ao iniciarmos toda uma busca pela memória de nossos informantes sobre as suas experiências vividas, solicitamos igualmente que eles relatassem um pouco de sua
história de vida. E eles partiram de diversificados pontos de partida e se utilizaram de diferentes perspectivas para nos narrar suas memórias, belas e impactantes como as descritas abaixo:

Quando eu comecei a viver, mais ou menos nesse tempo, eu trabalhava em agricultura, com criação também, e depois já com vinte e oito anos de idade, noivei, casei com uma pessoa que já tenho trinta e cinco anos de casado e não me arrependi, me sinto bem; quando eu me casei, passei muita dificuldade, sempre ela tinha um empreguinho ganhando uma micharia; depois eu já com dois filhos, saí e fui pra Recife, consegui um trabalho lá numa empresa de transporte que amenizou um pouco mas era distante de casa, passei quatro anos lá. Depois eu fiz aquele teste na Embrapa no tempo que Regina fez também e entrei, aí clareou tudo pra mim; perto de casa, da esposa, dos filhos; aí pra mim, daquele dia pra cá, a vida mudou pra melhor. Então, mesmo trabalhando lá, era do trabalho pra casa, me sentindo bem, sempre com a esposa, com os filhos. Depois meus filhos fizeram vestibular e passaram, inclusive os dois mais novos quando passaram no vestibular e vieram estudar na Universidade eu comprei uma casa aqui, quando comprei, mandei eles pra cá e fiquei lá; então Maria esse tempo tinha se aposentado e ela passava três dias aqui e quatro em casa, nesse tempo ela já tava sentindo dificuldade de eu tá ausente mesmo e ela disse: “Fernando, porque tu não te transfere lá pra o Centro de Algodão? Vai dar certo pra tu.”; aí eu sem querer vir, mas falei com Heleno e ele disse: “você querendo, eu arrumo a transferência na outra semana”; eu fiquei pensativo, sem querer vir, os dois meninos e a esposa dando conselho e eu sem querer, fui ficando até com raiva dela; depois eu transferi, fiquei trabalhando aqui mas meu pensamento só era lá; com o tempo fui me acostumando e me acostumei; passei no Centro de Algodão, oito anos. E depois que eu “tô” aqui, mesmo me chamando pra lá, eu não quero mais. Eu vou sempre a passeio na casa dos meus filhos, visitar meus irmãos, meus primos, mas morar não quero. Conheço muita gente aqui, a vizinhança toda já me conhece e “tô” satisfeito com a minha vida. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


De minha vida eu não gosto de falar não, mais que eu gosto, eu gosto. Toda vida eu gostei e gosto. Eu comecei a trabalhar com sete anos com meu pai, trabalhei até dezoito anos. Depois eu vim pra o Exército. Minha mãe morreu, já foi um baque danado, no mesmo ano que eu virei soldado, aí eu me apaguei um
bocado de tempo, porque eu gostava dela demais; gostava não,
gosto; ela já morreu, mas mãe é mãe de qualquer maneira; ela me dava umas surrinhas porque eu era safado mesmo, quando era menino. Meu pai só me deu três surras, mas quase que ele me estoura, mas eu não reclamei, porque eu errei, reconheci que eu errei. Quando eu andava com ele dizia: “Olhe, meu filho, eu dei em você, mas eu não gosto de dar em você não porque você é meu companheiro que anda comigo”, porque eu só andava com ele, pra onde ele ia eu ia também né? Ele gostava muito de mim, eu montava num jumento e ele num cavalo e saía andando pelas cidades, ia pra essas fazendas trabalhar, eu e ele; eu não ia
trabalhar, eu só ia de companheiro dele; ele gostava de mim, mas eu era meio safado, arengava muito em casa com meus irmãos, tinha cinco irmãos e eu era bravo demais sem ser nada. Minha vida passada é essa, de dezoito anos pra cá é morrer e acabou-se. Fiz a vida até hoje. Fora o trabalho eu só tinha os meus forrozinhos; gostava e gosto, ainda hoje eu vou, ontem mesmo eu fui, e depois de amanhã se eu tiver bem eu vou de novo. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Minha vida graças a Deus foi boa. Nunca trabalhei na casa dos outros, meu pai não queria, ele dizia; “minhas filhas não trabalha em canto nenhum, nem no roçado. É para estudar!” Morei muitos anos no Pernambuco, trouxe meus filhos para cá tudo pequeno, já era casada quando vim pra cá. Só dois dos meus filhos que nasceram aqui. Hoje me recordo que faz onze anos que meu velho morreu. Era minha companhia, meu marido era homem muito bom, assim seja ele pra Deus. Era
trabalhador. Era a segurança que eu tinha. Hoje eu como viúva, como se eu tivesse perdido tudo. Moro só, todos casaram, vem quando querem. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Eu sempre conto a história de quando eu era guri, é sobre a questão da família. Papai depois de uma certa idade já, que ele já faleceu, ele arrumou uma outra mulher e construiu uma casa num outro município, eu não lembro qual, mas distante daqui. Ele com essa mulher sempre muito desgosto pra mamãe, e eu sempre via ela chorando; eu dizia a Deus me referindo a papai: “Se for pra eu casar pra viver nessa vida assim eu não quero casar”. Eu pensava muito em ter uma família bem organizadinha, desde pequeno, e isso aí que consegui; só que eu tive que renunciar a muitas coisas pra poder eu conseguir isso aí. Renunciei a dois empregos em Pernambuco, no Maranhão, e aqui na Paraíba mesmo, sai vendendo por aí. Eu ficava
pensando em deixar minha família só aqui e passar não sei quantos meses não sei aonde; aí a compensação veio de outra forma, né? Eu tenho uma família unida, trinta e sete anos de casado. Eu me sinto realizado nisso aí, porque o que eu queria desde criança era ter uma família que vivesse bem, que se respeitassem um ao outro, que todos se amassem um ao outro, e
o que tá acontecendo aqui hoje é muita coisa muito boa, e a gente fala sobre isso, né? Tinha um emprego no Maranhão pra passar não sei quantos dias lá e depois vir em casa, poderia eu virar a cabeça por lá, as meninas ficando mocinhas aqui, ninguém sabia o que poderia acontecer, então eu preferi dar uma assistência, assim. Foi uma opção minha. Renunciei a empregos bons pra ficar perto da família. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Sei lá. Minha vida é uma vida boa né? Uma vida que eu vivo aqui na minha casa, meu marido fica lá na barraca, eu fico aqui, de vez em quando ele vem dormir aqui, hoje mesmo ele veio, manda tudo o que eu precisar; eu recebo meu salário também; e eu não tenho vida ruim, minha vida é muito boa, graças a Deus. Vou à igreja orar ao meu Senhor e pronto. Me sinto feliz. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


Eu vim de uma cidade do Cariri, estudei, terminei meu curso aqui em Campina Grande, o curso de Pedagogia. Depois de terminar o curso eu trabalhei no Pio XI, no Catolé, depois trabalhei mais alguns anos na filial do centro, onde o colégio declarou falência e eu acabei me aposentando e não recebendo minhas contas pelo fato de o colégio ter declarado falência. Tenho dois filhos, uma neta. Na época que os meninos eram pequenos, mesmo indo pra congressos, eu sempre procurava voltar à noite pra não deixar ninguém cuidar dos meninos, pra eu mesma cuidar, e não levar reclamação, porque eu nunca gostei de levar reclamação. Hoje eu tenho uma vida pacata, dentro de casa; sou feliz, mas falta alguma coisa, porque eu sempre fui muito de trabalhar e hoje me encontro parada, então isso acaba deixando uma lacuna. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


As memórias de nossos informantes sobre suas vidas se encontram entrecortadas por uma série de experiências vividas principalmente com a família, pai, mãe e, posteriormente, cônjuge, filhos etc. A vida é marcada por experiências familiares e de criação e sustento da família. A vida é marcada também pelo trabalho, pela labuta do dia-a-dia em busca do sustento dessa mesma família. Não ouvimos relatos de aventuras, desbravamentos, rupturas, irreverências ou de algo que fugisse ao “politicamente correto”, o que ouvimos foram relatos de uma vida que segue um padrão social muito bem cristalizado pelo cumprimento de responsabilidades e provimentos de necessidades do indivíduo e dos seus.
É como se na vida não existisse espaço para o interdito, as rupturas, os espaços de fuga, pois tudo está muito bem pré-definido e deve ser seguido como um manual. Ao observarmos discursos tão “politicamente corretos” provocamos o nosso informante com uma questão mis contundente: com o que você sonha, ou o que gostaria de realizar e ainda não realizou? E ai sim, a partir de então, os espaços de fuga, de deslocamento apareceram para dar lugar às cristalizações sociais:


Eu tenho vontade de passear e eu acho que ainda vou, pro exterior; pelo menos Fernando de Noronha, eu tenho vontade de ir e eu penso ainda em andar em alguma capital fora do Brasil e eu acho que ainda vou. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Acertar na mega sena. Faz quarenta e cinco anos que eu jogo. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Viajar. Conhecer lugares que nunca pude ir porque trabalhava, e agora que estou aposentada também não posso porque só dá mesmo (pausa) pra comer e muito mal. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Alguns sonhos mais padronizados e seguindo o modelo da cultura:

Eu me sinto, assim, muito arrependida porque eu fiz vestibular dois anos e pra mim já era pra ter continuado, que não era pra ter parado. E os meninos dizem que eu com esse tempo livre devia fazer um vestibular, e eu digo que não, porque eu não tenho mais idade pra vestibular nem estudar, não. E eles dizem que isso não existe, que onde eles estudam tem muita gente de idade, mas eu digo que não tenho mais vontade, não. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Não, é só isso mesmo! Ajeitar a casa, deixar a casa bem arrumada e adquirir novos móveis, geladeira, fogão, lavadora. O plano é esse. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Eu tenho vontade de, antes de morrer, deixar esse meu neto com uma casa. Eu tenho vontade de deixar essa casinha aqui, que


meu esposo comprou, pra ele e comprar outra casa melhor pra mim. Tenho esses planos, né? Mas Deus proverá todas as coisas
eu não sei quando é que a gente morre, né? (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


Nem todos os nossos informantes se mostraram desejosos por realizar ainda algum projeto de vida. Alguns chegaram a se dizerem satisfeitos com suas vidas e com suas conquistas:

Tem mais muita coisa pra fazer não; eu acho que tem que fazer o que eu “tô” fazendo mesmo. Num penso em fazer mais muita
coisa não. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Nada minha filha. Hoje eu estou realizada. Agora é esperar a vontade de Deus. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Tudo quanto eu queria eu já realizei. Tudo que eu mais queria era trabalhar, me aposentar, ter o meu cantinho pra eu viver sem depender de ninguém. Nunca me casei, a sorte nunca deu pra me casar, graças a Deus. Também, se eu fosse casada, eu acho que já era separada do marido há muitos anos, porque agora do jeito que esses homens são, elas todas só querem os homens casados. Aí num ia dar certo porque eu ia logo ao pé da orelha dela e dele também (risos); aí tá melhor assim, foi melhor eu não me casar. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


E hoje? Quais seriam os planos de vida de nossos informantes? Pensamos e indagamos a longo prazo, numa previsão de futuro, e quanto ao presente? Como se configuram os planos, projetos e sonhos de vida? Como resposta, recebemos depoimentos que foram bastante semelhantes aos descritos acima quando trabalhamos com a dimensão dos sonhos. Abaixo, sonhos mais libertários e aventureiros, sonhos até surreais:


Não, meus planos é somente passear com a esposa, ir pra casa dos filhos, viver em casa, ir pra esses grupos de terceira idade e conversar com um e com outro, ir pra casa dos meus familiares; é isso, somente. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)
É viajar pra o Rio mesmo, pra ver meus familiares. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


Meus planos de vida hoje era eu acertar na mega sena, ai eu resolvia tudo. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Sonhos de oferecer a família uma maior autonomia econômica:

Meus planos de vida hoje era ter com que ajudar minha família e os que precisam. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


A coisa que eu queria fazer daqui pra frente era, se eu pudesse, fazer alguma coisa pra depois deixar pra os filhos. É o que eu faço todo dia; trabalho, mas eu não penso em mim, não; só em fazer alguma coisa pra eles. Semana passada eu disse aos
meninos: “eu vou conversar com vocês pra ajudar em alguma coisa aqui porque eu não ‘tô’ fazendo nada pra mim, o que eu ‘tô’ fazendo aqui é pra vocês”; então a única coisa que eu queria era isso. Pra mim o que eu tinha de fazer eu já fiz, eu terminei a minha missão de trabalho. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Meu plano de vida era ter um rendimento melhor. Ajeitar essa casa. Um transporte melhor. Novo não, mas um carro bom para sair com a mulher, fazer compras, ir à casa das meninas, ir à casa da irmã dela que ela gosta sempre de ir visitar toda semana e ajudar minha filha a mais carente. Também dar uma ajeitada na casa dela. Pronto! Meus planos eram somente esses. Ter aquele capitalzinho lá, porque quer ir visitar uma irmã em João pessoa, pode ir. Os planos mais voltados para a família. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Só uma informante, para nossa surpresa, demonstrou desejo em voltar a trabalhar. Ela em quase todas as suas falas se ressentiu muito do sentimento de inutilidade que sente o idoso. O trabalho representaria a volta do sentido à sua própria vida, tão sucumbida por uma visão de inutilidade:

Meu plano de vida era trabalhar. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)

Indagados sobre do que o aposentado sente saudade, o sentimento de melancolia nutridos pela dor da perda de entes queridos foi uma constante. Assim, nossos
informantes sentem mais saudade de pessoas queridas do que de lugares ou bens materiais:

A coisa que me deixa mais saudade, é dos... (pausa) dos parentes que a gente perdeu. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Tenho saudade do meu povo que foi embora. Que a gente não tem mais. Meus pais, irmãos, marido. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Eu sinto saudade somente da minha mãe. Ela era uma mulherzinha baixinha,a cabeçinha bem afilada. Era uma pessoa maravilhosa para mim, e ainda hoje tenho recordações dela. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Dos meus pais. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Sentem saudade da mocidade, da época em que eram jovens:

Saudade do tempo de mais moço, que as coisas já tiveram melhor, mas “tô” bem também. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


De ser novo. Pelo menos uns dez anos ou vinte pra trás. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)

Saudades das viagens em família, e do tempo quando os filhos eram crianças:

Saudade? ... eu num sei dizer não... risos... a gente teve um momento muito bom depois que eu comprei esse carro, agente alugou uma casa na praia em João Pessoa e foi um momento muito bom, foram dois anos, eu fui três vezes com os meninos, fui de carro com os meninos e minhas irmãs e foi um período muito bom, agente passava oito dias na praia foi muito bom, é o momento que eu mais me lembro assim... (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Saudade eu ainda tenho do tempo que os meninos eram pequenos, quando eu tinha uma Kombi e levava eles. A saudade
que eu tenho é essa mesmo. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


A gente quando é solteira tem uma vida boa também, né? Eu também ia pra algum canto, assim, a gente era muito presa, meu pai não deixava a gente sair. A gente ia com uma velhinha que morava lá, que ela é a avó do meu marido, pra umas festinhas em Galante, essas festas de rua. Eu chamei as meninas pra rodar no carrossel aí Dona Guida chegou e disse: “Deixe estar, menina, quando chegar em casa vocês vão levar uma surra,
porque eu vou dizer à mãe de vocês, que vocês foram no carrossel”. Quando passava por ela chegar ficava alegre de tão bom que tava no carrossel. Ela dizia: “Essas meninas, saem de casa me dando trabalho, e quando acabar elas irem brincar de carrossel”. Tinham essas coisas, né? As brincadeiras eram o lado bom. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


Da mesma maneira que indagamos de nossos informantes do que eles tem saudades, indagamos igualmente do que não tem saudades:

Eu não tenho saudade muito de quando eu vivia desempregado sem ter nada. Eu vou ter saudade de uma vida que eu procurava
num final de semana e não tinha dinheiro pra me manter, fazer a feira? Depois foi que eu consegui trabalho pra mim, mas antes eu não tenho saudade não. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Do que não presta, né? O que não presta, a gente vê que aquilo é errado, não serve, e não vai ter saudade de coisa ruim. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Ai meu Deus, daquela central telefônica velha do HU, é se eu pudesse nunca me lembrava, tinha dias que eu me ajoelhava no banheiro, quando ninguém tivesse vendo, e pedia Jesus tem piedade de mim, chorava, porque pra você ter uma idéia, hoje em dia ninguém faz mais ligação interna, você liga pro HU e a ligação já é direto, porque todos os ramais já têm telefone direto, e também não faz ligação pra ninguém, é só as ligações externas, só as pessoas que não sabem mas quem sabe já liga direto pro ramal né? Com esse novo facilitou muito ali porque antigamente tudo tinha que passar pela telefonista, tanto externo quanto interno, um pessoal muito sem consciência, não respeitava, vinha com quatro pedras na mão pro meu lado e o que eu fazia, ia chorar, chegava de noite com a cabeça doendo entendeu? Eu não quero nem pensar no que eu passei naquele HU, pedi muito a todos os diretores que passaram por ali emprego pra minha família porque ali cada pessoa que trabalha tem dois, três seus e eu pedi a todos, e nenhum me atendeu, porque eu trabalhei a vida inteira ali né, derramando me suor e não tive nenhuma recompensa, isso me deixou triste. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Dos momentos de doença. Quando eles estavam desempregados, num período ruim aí. Aí tem coisas que a gente não quer nem sentir saudades, né? (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


O sentimento de felicidade e o sentir-se feliz talvez seja uma das experiências mais singulares do ser humano. A rigor, não existe um modelo de felicidade unívoco para todas as pessoas, apesar de existir todo um padrão de modelos ofertados pela cultura como “as formas corretas de viver a felicidade”. Conscientes dessa problemática, voltamos à busca de singularizar a experiência da felicidade entre nossos informantes, e indagamos deles: o senhor se sente uma pessoa feliz?

Feliz. Por que, hoje tenho liberdade. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Eu me sinto feliz, por que eu fiz um bom casamento, depois de casado eu arrumei um trabalho, meus filhos casados, por conta deles, eles todos bem, graças a Deus, com as esposas e com os esposos; posso dizer que me sinto um homem realizado né? (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


Graças a Deus, sim. Tenho meu salário, dá pra eu comer meu feijãozinho todo mês, pra quê que eu vou me aperrear, né? Pra pobre tá bom demais, mas pra rico falta muito. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)



Me sinto, os meninos já criados, já formados, daqui a pouco vão casar, me dar netos. (Entrevista com informante nº 5, 59 anos, sexo feminino, telefonista)


Feliz, porque eu me casei novo, com vinte e dois anos de idade, eu tive em casa seis filhos e teve mais seis lá fora e nunca ninguém me abusou com nada. Eu tenho seis filhas casadas. Casei todos. Tenho um filho solteiro, que por sinal eu não vivo bem com ele porque eu não quero. Mas ele mora no Rio de Janeiro, trabalha na prefeitura, é candidato a vereador e já pelejou para eu acabar isso aqui e terminar os dias de vida com ele. Não gastava com nada, o dinheiro que eu ganhasse eu iria juntar, mas eu não gosto. Eu quero pegar o que eu ganho e gastar aquilo ali. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


Feliz, a mais feliz do mundo. Porque eu sou feliz, né? Não tenho perturbação. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Eu me sinto feliz porque eu sirvo a Jesus. Tenho um marido bom, que não me falta em nada, tudo o que eu precisar tem na barraca dele e ele manda, vai toda semana fazer a feira e deixa aqui, muito bom, né? (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


Me sinto. Porque eu tenho saúde, tenho meus filhos, minha neta, tenho meus amigos. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Não me sinto muito porque sou sozinha. Sou feliz porque tenho saúde, mas solidão é triste. Quando eu tinha pelo menos meu velho era bom. Mas hoje sou só. Sou feliz pelos meus filhos que são todos bons pra mim, me respeitam. Meus netos. Mas ser só é a coisa mais triste do mundo. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Já no caminho de finalizar nossas entrevistas, indagamos dos nossos informantes se eles fazem planos para o futuro e quais seriam esses planos; recebemos às seguintes respostas:
Fazer nada mais não, só aquilo que eu disse mesmo: ajeitar alguma coisa pra mudar lá o terreno, ajeitar a casa lá, mas plano mesmo, pra mim, pra dizer que hoje eu vou fazer tal coisa ainda, eu não tenho mais não, só manter o que eu tenho mesmo, e pronto. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Morrer. Que eu não tenho outro plano para fazer, vou fazer o que mais? Daqui pra frente o cabra só vai decaindo, fiz uma cirurgia do coração, faz pouco tempo, mas isso ai foi brincadeira. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Mais nenhum. Só morrer e pronto. Só descansar o resto da vida que Deus me dé, porque eu já trabalhei muito. Uma irmã minha dizia que tinha inveja de mim porque preferia ser costureira como eu, a ser professora. (pausa) morreu muito moça minha irmã. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)
Nadinha. O nosso futuro agora é caixão e vela preta. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


O futuro é esse mesmo, é somente boa vida (risos) e muitos anos de vida. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Eu não faço plano nenhum. Jesus que me prepare pra ter uma boa ida ao encontro dele, somente. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


Falamos dos sonhos, dos projetos de vida, das saudades boas e más de nossos informantes, e não nos esquecemos de indagar sobre as maneiras com as quais eles pretendem viver seus anos de vida:

Eu penso em fazer as coisas enquanto puder; enquanto puder eu tenho que fazer alguma coisa; mas a coisa que eu mais tinha vontade de fazer, que eu sempre dizia em casa a Severina era que quando eu me aposentasse, se eu puder a gente vai viajar pra muitos cantos, pelo menos por aqueles lugares que eu já andei; passear pelos lugares que eu já passei pra mostrar a ela (risos) as coisas. São essas as coisas que eu digo, mas não tem condições não, mesmo tendo um carro, mas a despesa é grande. Eu ainda tenho vontade, sozinho não, pra andar sozinho como eu já fiz, não. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Quero só ta vivendo e comendo, passeando na casa dos meus filhos. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)


Pretendo viver com saúde e junto com a minha família, para mim é bom demais. Não tem melhor. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


É pela condição de sair, viajar para o sitio, lá para João Pessoa, curtir mais o lazer. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Bem, com saúde, paz, tranqüilidade, é o mais importante. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Eu pretendo ficar aqui em Galante, de vez em quando vou lá pro meu marido, passo uns dias lá. E indo pra minha igreja. Minha preocupação é com Jesus e pronto. A palavra de Deus diz: “Te apegardes ao Senhor e as demais coisas serão feitas”. (Entrevista com informante nº 9, 65 anos, sexo feminino, auxiliar de professora)


Do jeito que to vivendo. Eu não espero mais nada não, quero viver do jeito que estou vivendo mesmo. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Já nos encaminhando para o final de nossa entrevista, apelamos junto a nossos informantes, para uma memória que pudesse não só fazer um rápido balanço de uma vida vivida, mas que tomasse uma posição frente a essa mesma experiência; nesses termos indagamos os nossos informantes com a seguinte questão: O que o senhor acha da vida? Valeu à pena ter vivido e viver? As respostas se mostraram bastante positivas no sentido da vida e os elementos destacados para marcar tais positividades foram principalmente terem construído uma família; terem amado e sido amados principalmente pela família e terem podido ajudar aos outros:

A vida foi boa e tá sendo, apesar dos altos e baixos, doenças, essas coisas; mas foi muito boa, e é esperar agora o resto que falta. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Vale, quando a pessoa vive em harmonia com os familiares e esposa também, vale à pena viver; mas quando vive brigado ou separado eu acho meio difícil; quando arruma uma segunda pessoa eu acho que não dá muito certo não. Comigo de vez em quando ainda existem umas discussõezinhas, mas aí todo casal
discute; mas me sinto bem. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)


A vida é boa, morrer é que não presta porque morrendo a gente não ajuda mais ninguém e vivo a gente vê tudo. Graças a deus valeu e vale muito à pena. Muito bom Deus deixar eu vivo o tempo que ele quiser. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


A vida é boa. Valeu muito à pena ter vivido. Somos pobres sim, mas meus filhos tudo são bons para mim. Só sinto falta porque eles não podem viver aqui, porque moram longe. (Entrevista com informante nº 4, 88 anos, sexo feminino, costureira)

A vida, oh coisa boa! Só queria viver uns quinhentos anos, ai tava bom. Cinco séculos, eita! Eu não sei o que eu inventava.Vale a pena viver. Graças a Deus, com muito prazer. Viver não tem coisa melhor. Sabendo viver, não sabendo, pode suicidar logo. (Entrevista com informante nº 6, 70 anos, sexo masculino, auxiliar de produção)


E como vale a pena viver! Viver para servir, a gente só vive bem quando a gente serve. A gente às vezes fica meio omisso e preguiçoso, mas só vive bem quem serve. Você não tem como ser feliz se não for ajudando alguém. Podia ajudar muito mais, mesmo que não seja com dinheiro. Ajudar não é so com dinheiro. É ajudar como a gente faz com as reuniões aqui. Aqui no bairro a gente tem muita gente doente, acamada e no bairro a gente não faz. Tem que visitar mais hospitais, não faz, fica omisso a essas coisas aí. Mas a vida para quem tem uma condição e tem amor pelas coisas à vida é importante demais. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


A vida é uma maravilha, pra quem sabe viver, é. Vale muito à pena ter vivido e viver. Trabalho pra mim mesmo e faço minhas próprias coisas. Vou pra uma missa quando posso e quando não posso tô na minha casinha. Ajudo aqueles que precisam. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Nossa última indagação feita a nossos informantes foi perguntar-lhe que balanço ele seria capaz de fazer sobre a sua própria vida e obtivemos os seguintes discursos:

Eu às vezes digo que sou muito grato com o que eu fiz e com o que eu aprendi, porque pelo que eu comecei e pelo estudo que eu tenho eu acho que eu já fiz demais; eu nunca pensei de chegar aonde eu cheguei; eu nunca pensei de ter uma aposentadoria da que eu tenho hoje, eu só pensava o contrário. Eu acho que o que eu posso dizer é que pelas coisas que eu fiz, o que eu recebi, eu acho que já foi bom demais. Eu vejo tanta gente que criou-se comigo, com o mesmo estudo, trabalhando nas mesmas coisas, a dificuldade muito maior mesmo do que a minha; então eu acho que já tá bom demais. Eu acho que o que eu fiz já tá bom demais. (Entrevista com informante nº 1, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operações)


Para o informante acima citado, a vida foi para ele, muito mais ganho do que perdas, muito mais sorte, do que infortúnio. Apesar de todas as dificuldades vividas, ele acredita ter sido a vida generosa com ele. Pois toma como base, pessoas próximas, com as mesmas dificuldades que ele e que não tiveram a mesma sorte.
Essa visão otimista da vida leva a construção de uma percepção bastante positiva da vida. Traços da experiência de uma vida vivida com muita dificuldade mais que logrou sucesso.
Já outros informantes nos ofereceram às seguintes narrativas:

Toda vida eu gostei da minha vida, o balanço é esse. Gostar da vida, ser vivo e ter com que viver. Meu pai e minha mãe morreram e eu nunca mais os vi, a não ser em sonho. Hoje eu vivo dentro de casa dormindo e sonhando com eles, que eu não tinha isso. Antes eu chegava cansado, enfadado não tinha nem tempo de sonhar. Hoje não, vivo aqui dentro de casa, não trabalho mais e vivo sonhando com coisas que a gente pensa nunca ter passado, coisas que já aconteceram há muito tempo. Não posso reclamar da vida e nem dizer que não sonho com coisas erradas, que eu sonho sim. Durmo de dia e quando é a noite durmo tarde, e quando agarro no sono vivo sonhando com arenga, desavença de família. Essas coisas que passou-se e a gente não ligou e agora está aparecendo. Eu cuido mais da minha família. Não só a de casa, que minha família é fora também. Vejo minha família, como está à situação deles que às vezes é péssima também, gente ignorante que não tem nada na vida ai tudo atrapalha a gente, não é? Isso entra na cabeça da
gente e prejudica a gente também. Um filho com doença, tudo isso prejudica a gente também. Ai a gente fica meio nervoso, com raiva da vida muitas vezes por horas ou minutos, só isso mesmo. (Entrevista com informante nº 3, 75 anos, sexo masculino, motorista)


Já esta última fala parece ser atormentada pela culpa, remorso sobre ações praticadas, traumas não vencidos, lembranças tristes. É uma mente em busca do equilíbrio, da satisfação, de uma positividade. Por mais que o informante aponte para a construção de um discurso positivo sobre a sua vida, o que deixa transparecer nas entrelinhas de sua fala é exatamente o contrário, um estado de impaciência, revolta e insatisfação rondam à sua mente.
Vejamos outros depoimentos:

Tá sempre em torno da família, por mais que eu tenha me descuidado de outras coisas, de riqueza, mas eu cuidei de uma coisa que eu me sinto realizado, então eu me sinto feliz. O balanço que eu faço é esse. Em resumo de vez enquanto eu faço isso, eu devia ter uma casa mais arrumada, ter um carro bom ai eu faço assim. Mas não me sinto frustrado não. O balanço que faço é positivo. Eu me sinto muito feliz. Me sinto realizado. Em
termo familiar e no geral. (Entrevista com informante nº 7, 66 anos, sexo masculino, técnico em segurança do trabalho)


Eu quero continuar levando essa mesma vida. É uma vida muito boa, graças a Deus. Foi tudo muito bom até hoje. Minha família muito maravilhosa. Já fui no Rio de Janeiro umas três vezes passear, pra rever meus familiares, meus irmãos vêm todo anos de férias ver a gente. A aposentadoria facilita muito essas coisas, tenho muito que agradecer a Deus, só a ele e a mais ninguém. (Entrevista com informante nº 8, 77 anos, sexo feminino, agricultora)


Os dois discursos acima descritos valorizam sobremaneira o lugar e o papel da família em suas vidas, se pensam como extensão da família e é a família que preenchem o seu tempo, memórias e sentimentos. Há uma certa invisibilidade do “eu”, como se não existisse, pois a família ocupa o lugar central.

Minha vida não foi ruim não, foi muito boa. Apesar de tudo quando olho pra trás, vejo que tudo foi fantástico, tudo que foi vivido. Serviu muito para hoje eu ser quem sou, saber tudo que sei e fazer tudo o que faço. Tive uma infância um pouco difícil, mas mágica porque naquele tempo tudo era conseguido com muita, mas muita dificuldade, então a gente quando adquiria algo dava mais valor, por ser mais difícil de conseguir. Hoje em dia não, tudo é muito fácil de você ter. Se não tem como pagar a
vista tem crediário, cartão. Carne nunca falta em casa, por isso que muita coisa hoje em dia é banal. Vivemos dias de abundância em material e de pobreza de valores. (Entrevista com informante nº 10, 62 anos, sexo feminino, secretária)


Mesmo com os problemas que passaram todos, eu sinto que o tempo melhor pra mim é agora, meus filhos todos por conta deles, eu aposentado, minha esposa aposentada, minha casa pra morar, meu carro pra passear, vou pra onde quero, o dinheiro que eu tenho dá pra me manter. Eu acho que mesmo com a minha idade o melhor tempo pra mim é agora, a não ser que daqui há uns dez ou quinze, ou vinte anos, se tiver sem poder andar, sem me movimentar aí eu possa dizer que o tempo bom já passou, mas eu acho que eu ainda me sinto um homem feliz. (Entrevista com informante nº 2, 67 anos, sexo masculino, auxiliar de operação)

Nas duas últimas falas se sobressai uma forte positividade no tempo atual, principalmente em termos de acesso e aquisição de bens materiais. O destaque dado as facilidades da vida no tempo presente, demonstram uma visão utilitarista do mundo, ao contrário de uma visão mais afetiva. Destaca-se mais o lado prático do que o lado sensível.
A aposentadoria, inclusive, é pensada, principalmente pelo último informante, como um aspecto altamente positivo na melhoria das condições de sua vida, e o sentimento do “dever cumprido” ajuda na construção de uma perspectiva otimizadora para o presente em detrimento do passado.
No geral, a saúde mental de nossos informantes idosos e aposentados vai bem. Poucos foram os discursos que levassem a detecção de transtornos quanto à convivência social, familiar ou individual. A grande maioria nos pareceram cônscios de sua realidade e demonstraram pleno domínio dela. Uns com mais autonomia e positividade, outros, com menos e mais negatividade, no entanto, tais diferenças podem perfeitamente ser justificadas do ponto de vista das experiências e histórias de vida de cada um e não do ponto de vista patológico.










CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao final de nossa jornada. Um grande percurso de estudos, leituras e pesquisas empíricas, foi percorrido para chegarmos até aqui. Descobrimos com essa monografia quão gratificante é a descoberta do “outro”. Somos extremamente gratas aos nossos informantes, que tão solidariamente, nos emprestaram o seu tempo para que, através de suas memórias, pudéssemos ir construindo e unindo os fios desse tecido chamado vida.
As experiências vividas pelos idosos aposentados no que diz respeito ao trabalho, nos pareceu extremamente interessantes e nos serviu para apontarmos o fosso que separa a chamada vida ativa da vida inativa. O grande e verdadeiro temor de nossos aposentados entrevistados é o sentimento de inutilidade. É o medo de se sentirem excluídos da sociedade e passarem a serem vistos como fardo, peso, pessoa indesejável.
Assim não é o retorno ao trabalho em si que eles desejam, mas o desejo de não se sentirem inativos.
Como o sentimento de inutilidade está associado ao não-trabalho, a saída da vida ativa, os aposentados vivem esse dilema psíquico: querem viver a sua aposentadoria, mas o medo ronda as suas vidas, assim, eles poderiam viver de maneira mais alegre e tranqüila a experiência e momento da aposentadoria se não fossem vítimas de uma cultura que supervaloriza o trabalho enquanto legitimidade de uma existência, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, desvaloriza esse mesmo trabalho, a ele atribuindo o sentido de labuta.
Observamos que o ser e estar aposentado não só é resultado de uma escolha racional e decidida entre nossos informantes, como serve para garantir um grau bastante interessante de autonomia a esses idosos, além de servir como atenuante às mazelas que chegam junto com a velhice, ou terceira idade, tais como: a doença, a inatividade, o abandono, a solidão.
Em outras palavras, o idoso aposentado, por receber todos os meses um salário, se sente autônomo e livre da sujeição de ser sustentado por algum membro da família. Tais análises nos levam a crer que a situação do idoso aposentado ou pensionista, é mais confortável do que a do idoso que não recebe nenhum provento.
A aposentadoria surge na vida do idoso como um espaço de reafirmação de seu lugar na sociedade, ou seja, o fato de receber um salário e poder suprir, nem que seja minimamente, o seu sustento, faz com que este se mantenha integrado ao seu meio social e a sua família. Assim se tornam minimizadas as experiências trazidas com o processo de envelhecimento.
Detectamos também quanto às práticas de lazer e de sociabilidades que o idoso campinense dispõe atualmente de muito poucas opções, embora haja um real esforço de integração do idoso a espaços tais como grupos de Terceira Idade, Clubes, Associações etc. Observamos que ainda são poucos os aposentados envolvidos em grupos de Terceira Idade e os que se dedicam a realizar passeios. A grande maioria de nossos informantes optam por práticas de sociabilidades no interior das relações familiares, nas igrejas que freqüentam ou nas festinhas organizadas pelas instituições em que trabalharam.
Por último, quanto aos aspectos psicológicos dos nossos idosos pesquisados, observamos que a aposentadoria é vista de maneira bem mais positiva do que a velhice. O sentimento de finitude trazido pelo estar e ser idoso gera um sentimento de medo e temor quanto ao “por vir”, por isso foi detectado um forte sentimento de vida no presente, no “aqui e agora” e uma contundente construção de indeterminação quanto a projetos futuros, barrados e/ou bloqueados pelo sentimento do “fim”.
Mas no que diz respeito a um levantamento de suas vidas, nossos informantes se mostraram cônscios e otimistas, sobretudo, quanto às suas escolhas e as trajetórias seguidas e afirmaram ser e estar felizes.
Assim, podemos concluir afirmando que a experiência da aposentadoria pode ser pensada como uma experiência positiva na vida de nossos informantes, pois eles souberam ressignificar esse momento de suas vidas muito mais tirando proveito dessa fase, realizando projetos tais como passear, adquirir bens de consumo, voltar a vida ativa montando pequenos negócios, ajudando parentes etc, do que assumindo o discurso e a prática do “vestir pijama” acomodando-se a uma situação de que nada mais seria possível realizar, pois tudo teria chegado ao fim. Nossos informantes ao ressignificarem suas práticas, nos incita a também repensar o papel da aposentadoria na vida do idoso e na própria sociedade.




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