sexta-feira, junho 08, 2007

COMO O TEMA "ABUSO SEXUAL" É VISTO PELA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Diferentemente das sociedades capitalistas européias e norte-americana, que há décadas já discutiam e preocupavam-se organizadamente com a situação de crianças e adolescentes, no Brasil só recentemente estes adquiriram status de cidadãos e, mais especificamente após a Lei n°8.069/1990, que criou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Convenção Internacional sobre os direitos da Criança, pela ONU(1989). A partir de então, essa questão passou a ser problematizada enquanto fenômeno, ser explicada e compreendida pela sociedade brasileira. Dessa forma, passando-se a entender que esse seguimento da sociedade é titular de direitos fundamentais como os adultos e, tendo o direito de reconhecimento de sua cidadania, a questão do abuso passou a ser tratada como uma violação de direitos, passível de punição.
Assim, no Brasil, a Constituição Federal de 1988, o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tratam sobre a proteção da criança e do adolescente contra qualquer forma de abuso sexual, além de determinar as penalidades para os que praticam a agressão e também para aqueles que se omitem de denunciar. O art. 227 da Constituição, em seu § 4º, diz que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente” (Bulos, 2001). Uma particularidade que se deve notar é que o Código Penal restringe o estupro apenas à mulher (ou à menina), definindo-o por “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça” (JESUS, 2000). Quando não há “conjunção carnal” (ou trata-se de criança do sexo masculino) o delito é denominado atentado violento ao pudor, que significa “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal” (art. 214 do Código Penal).
Em relação às crianças menores de 14 anos, não é preciso haver violência para o ato ser considerado criminoso, considerando-se a violência como presumida. Sendo assim, a lei protege o caso em que o agressor culpa a criança pelo o ocorrido, dizendo que “foi ela quem me provocou”. Entre os 14 e 18 anos, a questão se complica e é bastante controversa, devido ao fato de que os jovens estão praticando sexo cada vez mais cedo. A questão da idade é de suma importância, já que envolve uma questão de desequilíbrio de relações de poder (adulto x criança) que é inerente à própria definição de violência.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê multa de três a vinte salários (aplicando-se o dobro em casos de reincidência) nos casos em que o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, é omisso em comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente (ECA, art. 191). Como muitas em vigor, esta lei não é cumprida, sendo que o professor dificilmente a conhece em profundidade suficiente e o psicólogo, muitas vezes, interpreta que precisa manter sigilo profissional a qualquer custo.
Dessa forma, apesar de o ECA, a Constituição Brasileira e o Código Penal tratarem também deste assunto, e desses documentos assegurarem tais direitos, sabe-se que a simples existência desses instrumentos institucionais não é suficiente para a implementação de políticas que possam coibir e prevenir tal situação. São inúmeros os fatos que dificultam e/ou impossibilitam o cumprimento desses direitos pertinentes ao universo infanto-juvenil. Existe por parte da família, uma negligência visível, até mesmo por não despertar para o exercício do seu papel, sem falar que a Escola – instituição responsável que é para a formação dos futuros adultos “adequados” ao sistema – pouco ou nada se refere ao tema, muitas vezes por inexperiência ou inabilidade no tratamento do abuso sexual.
O desconhecimento da problemática é o que mais contribui para que o abuso sexual aconteça e se perpetue no seio da sociedade brasileira, já que a família não consegue lidar com o assunto, e o educador, por desconhecer o tema e por não saber trabalhar com as suas conseqüências, acaba por negligenciar o problema, tornando-o, muitas vezes, um assunto “tabu”, o que explicitaremos no capítulo a seguir.

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