sexta-feira, junho 08, 2007

INVESTIGANDO O ABUSO SEXUAL NO ÂMBITO ESCOLAR

A partir dessa compreensão é que optei por desenvolver o estudo junto aos profissionais da educação. Para entender como foi desenvolvida esta abordagem, faz-se necessário conhecer o campo onde a investigação foi desenvolvida e os atores envolvidos na mesma.
Neste sentido, vejamos como é desenvolvido o trabalho no âmbito do nosso estudo. A atuação da equipe técnica da Secretaria de Educação de Picuí consiste em dar suporte, através da orientação e acompanhamento pedagógico e psicológico, a 75 professores e cerca de 2.000 alunos, entre crianças e adolescentes. Apesar dos esforços, muito ainda se tem para modificar, entre outras coisas, a visão do educador acerca da sexualidade, senão vejamos. O atendimento psicológico é feito através do “Serviço de Orientação Psicológica”, focalizando este trabalho também no ambiente escolar, onde a psicóloga procura visualizar os determinados distúrbios de comportamento que os professores “detectam” e encaminham para este serviço. É através de contatos semanais com as escolas que os casos são encaminhados pelos professores ou pela direção, através de uma Ficha (anexo 02), na qual é apontado o motivo do encaminhamento que, na visão da escola, são de responsabilidade da profissional de psicologia “resolver”.
Ao longo desses quatro anos e sete meses de trabalho, a discussão tem se voltado para o aluno, sendo que este é, na maioria das vezes, apontado como causador de todos estes distúrbios. Um fato, porém, chama a atenção: quando, no trabalho psicológico, são discutidos temas como violência e sexualidade, qualquer que seja o aspecto abordado, torna-se motivo suficiente para o surgimento de idéias preconceituosas. Fica evidenciado que, na maioria das vezes, os problemas apresentados pelos alunos poderiam ser discutidos ou solucionados em sala de aula, através do professor ou, em última instância, pelo diretor. Porém, as colocações são sempre taxativas; é comum escutar-se afirmações do tipo: “ele é filho de pais separados, por isso é assim”; “essa criança não aprende porque é bagunceira e não se interessa”; “o problema dele(a) é de comportamento, e isso não é comigo”; “minha parte eu faço, comportamento não é comigo”. E, seguindo-se a essas afirmativas, vem sempre a seguinte afirmação: “isso é um caso para a psicóloga resolver”.
Freqüentemente, ouve-se nas escolas agressões verbais por parte de alunos, dirigidas a funcionários, e que, muitas vezes, são revidadas culpando alguém (a família, o psicólogo, o orientador, entre outros) pelo comportamento agressivo da criança. As questões de ordem sexual, então, são tratadas sempre com muita cautela e receio; fica implícito no discurso de alguns membros da equipe que, se a criança apresenta determinado comportamento, a “culpa” recairia principalmente na família ou no próprio sujeito em análise.
Todas essas colocações abrem precedentes para se perceber alguns pontos a serem discutidos. Inicialmente, apesar de denominar-se “equipe”, ainda se trabalha numa visão multidisciplinar, na qual a cada um incube a responsabilidade de tratar a criança e o adolescente dentro do seu campo de conhecimento. Ou seja, ainda não se consegue visualizar o aluno dentro de um contexto social, político e educacional, tendendo a torná-lo um ser fragmentado.
A meu ver, a escola ainda não se coloca como co-responsável pela formação integral da criança e do adolescente. Pelo visto, tal instituição ainda enfatiza o aspecto cognitivo como fator primordial para a aprendizagem, portanto dissociado do afetivo-emocional. Tal enfoque foge totalmente da concepção de teóricos como Piaget, Wallon e Vigotisky, que colocam o cognitivo e o afetivo como funções indissociáveis. Essa postura da escola contribui para acentuar os problemas ligados à violência em geral, na qual o abuso sexual está inserido. E o abuso sexual, por ser um tipo de violência ligado à sexualidade e também por este ser um tema tão camuflado, o problema tende a passar quase que desapercebido naquele ambiente.
Outrossim, partindo da proposta central de analisar a dificuldade ora apresentada pelo educador acerca da problemática do abuso sexual, através do discurso no âmbito escolar do Município de Picuí, conforme citado na introdução deste estudo; levando-se em consideração a sexualidade numa perspectiva histórica, enfatizando a família e a escola como instituições responsáveis pela formação do indivíduo, conforme discutimos no primeiro capítulo; considerando ainda que violências do tipo abuso sexual têm sido, ao longo da história, relatadas em escolas, creches e lares grupais, onde os adultos que cuidam das crianças, na maioria das vezes, são os principais perpetradores; que os efeitos psicológicos e físicos podem ser devastadores; e, por fim, considerando que a escola, apesar de constituir-se um micro-espaço de poder, onde se fala em sexo ainda tratando-o como segredo, entendemos que há, portanto, a necessidade de uma discussão detalhada, envolvendo a legislação, com a intenção de verificar a questão do abuso sexual analisada através do discurso do educador citado anteriormente. Essa preocupação parte do fato de que qualquer trabalho de educação, especialmente os que tratam de tema tão complexo, deve levar em consideração toda essa trajetória e as concepções adotadas.
Sabendo-se que há, por parte da família, uma lacuna no desempenho do seu papel, e que nos casos de abuso sexual, o agressor está, em sua maioria, no seio desta, a escola torna-se ambiente propício para detectar e tratar esse tipo de violência; considerando-se ainda que essa instituição não prepara os educadores para o desempenho de tal função, já que é difícil até mesmo encontrar na literatura, estudos voltados para esse tema, sem contar a deficiência dos cursos de formação de educadores, que não incluem no seu currículo, disciplinas específicas de orientação sexual, tendendo a mostrar somente o aspecto biológico, é importante instituir um programa que possa capacitar os profissionais da educação nessa área.
No que se refere à problemática ora discutida, é imprescindível, inicialmente, conhecer o universo de informações dos educadores acerca do tema abuso sexual, como também o seu nível de informação acerca da legislação que trata dos direitos da criança e ao adolescente.
Somente com educadores capazes de identificar crianças com sintomas de abuso sexual e aptos a intervir na situação o mais cedo possível, poderia evitar ou pelo menos amenizar as conseqüências imediatas dessa violência. Os dados que se seguem caracterizam a amostra, favorecendo a discussão a partir da análise dos resultados do estudo no município de Picuí.

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