sexta-feira, junho 08, 2007

INTRODUÇÃO

Nas sociedades modernas, a sexualidade ganhou uma evidente centralidade, porém falar de temas a ela relacionados exige cautela e, sobretudo, conhecimento de concepções históricas sedimentadas no homem moderno, justificando assim, a visão de Michel Foucault, quando diz que a sexualidade seria um dispositivo histórico. Nessa perspectiva, este trabalho é formulado a partir da minha atuação em oito escolas de ensino infantil e fundamental da rede pública municipal de Picuí – Paraíba. Inserida nesse espaço escolar há quatro anos e sete meses, como profissional da educação, na função de psicóloga, me defrontei com situações que, inicialmente, não fiquei à vontade para responder.
O trabalho desenvolvido pela equipe pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, formada por mim, mais quatro supervisoras de ensino e uma orientadora educacional, trouxe à tona alguns questionamentos acerca da visão da sexualidade ora discutido no âmbito escolar daquele município, sobretudo porque o trabalho realizado me permite visualizar todo o processo e me relacionar com a clientela estudantil dos 3 aos 16 anos, além de toda a equipe das escolas (diretores, professores, auxiliares e demais funcionários).
Os discursos e a forma de lidar com a sexualidade das crianças me impulsionaram a discutir teoricamente essa questão. Para isso se tornar possível, ingressei no Curso de Especialização em Educação – Psicopedagogia – da Universidade Estadual da Paraíba, e no decorrer desse processo de conhecimento, pude definir com maior clareza as diretrizes desse estudo que agora apresento. Após uma revisão bibliográfica, do estudo do material coletado e das experiências vivenciadas nas escolas, percebi que o tema necessitava de uma maior delimitação, já que se trata de um assunto bastante amplo e controverso. Nesse período, alguns casos acompanhados durante três anos na presidência do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente de Picuí, deram-me a certeza da escolha do tema – os dados colhidos apontaram para a necessidade de discutir questões referentes ao abuso sexual sofrido por crianças, já que tal problemática está inserida com freqüência no interior das escolas. Vale ressaltar que, no decorrer da discussão, serão citados alguns casos acompanhados, situações do cotidiano das escolas e várias falas de educadores; porém, todos os personagens terão os dados de identificação alterados e serão utilizados nomes fictícios, na intenção de preservar o anonimato das pessoas envolvidas. Dentre as várias situações, o primeiro caso é o de Marina, que agora apresento por ser emblemático para a discussão em tela.
Abril de 2001 – sala da 1ª série da Escola Municipal de Ensino Fundamental “Felipe Tiago Gomes”. Observo o comportamento de Marina e noto que esta menina, de aproximadamente oito anos de idade, se contorce sem parar, num movimento ritmado que, após alguns minutos, noto ser um ato masturbatório. Desconfiei que aquele comportamento pudesse dar pistas de um caso de abuso sexual; procurei os professores da escola em busca de informações e as palavras veladas me mostraram o quanto é difícil abordar o tema também com estes profissionais. Início do ano letivo de 2002; Marina repete a 1ª série mais uma vez; volto a procurar a direção da escola para conversar acerca da história desta criança, mas observo que o discurso dos professores aponta para a dificuldade em abordar assuntos relacionados à sexualidade, levando-os, muitas vezes, a camuflar ou falar de forma preconceituosa. Assim, passei a pesquisar o contexto familiar daquela criança e, após acompanhá-la durante alguns meses, pude constatar que, realmente, Marina havia sido vítima de abuso sexual por parte de um irmão.
Após essa situação, pude perceber que a questão da sexualidade naquele ambiente, ao contrário de outros assuntos, é pouco observada e muito menos discutida; e, se comentada, é feita de forma moralizadora e estereotipada, o que dificulta todo o trabalho. É importante ressaltar que não se trata de “não falar do assunto”, mas a forma como se fala. Portanto, considerando que o professor lida diariamente e diretamente com a criança, sendo responsável também pela sua formação integral, e observado o nível de conhecimento dessa população acerca da sua concepção e suas formas de lidar com o tema, achamos conveniente e oportuno, neste momento, trabalhar com o professor e não com o aluno sobre o discurso acerca do tema abuso sexual no ambiente escolar.
Assim posto, o presente trabalho monográfico tem por objetivo analisar a dificuldade enfrentada pelos profissionais da educação de Picuí relativa à problemática do abuso sexual, objetivando colher mais informações que possibilitem, posteriormente, oferecer-lhes conhecimentos básicos acerca do abuso sexual e fornecer subsídios que sirvam como instrumento de reflexão sem, no entanto, encerrar a discussão, contribuindo, assim, para o exercício profissional das equipes pedagógicas nas salas de aula deste Município.
Considerando que essas observações preliminares contribuíram para a definição exata e para uma melhor compreensão da proposta e dos caminhos percorridos, para compor este estudo dividiremos em 03 capítulos, nos quais falaremos sobre temas pertinentes à questão do abuso sexual e da percepção do educador acerca dessa problemática. Dessa forma, o primeiro capítulo apresenta um histórico acerca da sexualidade, destacando a sexualidade infantil, o papel da família e da escola na formação da identidade sexual do indivíduo. O segundo capítulo aborda os aspectos históricos e conceituais do abuso sexual contra crianças, além de destacar como tal tema é visto pela legislação brasileira em vigor. Aqui, se lança mão de pesquisas de alguns estudiosos nessa área, além de citar algumas situações de abuso sexual ocorridas no município onde a pesquisa foi realizada. O terceiro capítulo apresenta as questões metodológicas, enfocando o tema, a partir da fala do educador. Encerrando o trabalho, apresentam-se as considerações finais.

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